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Argentina/Ditadura

Argentina se diferencia do Brasil e recebe dos EUA desclassificação recorde de arquivos sobre uma ditadura

Os Estados Unidos revelaram a maior quantidade de arquivos sobre uma ditadura ao entregar ao governo argentino nesse fim de semana 43 mil páginas de documentos, até então confidenciais. A posição da Argentina, país que mais condenou militares no mundo, distoa do Brasil, que além de não ter levado ninguém a julgamento, vive um momento de contestação da própria existência de uma ditadura.

David Ferriero, presidente do Arquivo Nacional dos EUA (e) ao lado do ministro argentino da Justiça, Germán Garavano, no momento da entrega dos arquivos sobre a ditadura.
David Ferriero, presidente do Arquivo Nacional dos EUA (e) ao lado do ministro argentino da Justiça, Germán Garavano, no momento da entrega dos arquivos sobre a ditadura. www.instagram.com/garavanogerman/
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Correspondente da RFI em Buenos Aires

A desclassificação de documentos envolve o período entre 1975 e 1984, um ano antes e um ano depois da ditadura argentina que, entre 1976 e 1983, deixou 30 mil mortos e desaparecidos, segundo os organismos de direitos humanos, embora oficialmente o número seja de 8.368, a maior lista de vítimas de todos os regimes militares sul-americanos.

A caixa com seis discos foi entregue nesta sexta-feira (13), em Washington, pelo Arquivo Nacional (National Archivies) por meio de seu presidente, David Ferriero, ao ministro da Justiça argentino, Germán Garavano, numa cerimônia que contou ainda com parentes das vítimas na Argentina.

Cada disco possui o emblema de alguma das 16 agências norte-americanas envolvidas no processo que levou mais de 30 mil horas a cargo de 384 pessoas. Entre as instituições, estão os Departamentos de Justiça e do Estado, o FBI, a CIA, o Pentágono e o Arquivo Nacional.

Também é inédito o nível de conteúdo revelado em cada documento: 97% do conteúdo tornaram-se públicos através dos sites do Departamento de Estado norte-americano e o Argentina Desclassification Project.  

"A informação vai permitir conhecer o lado mais macabro desse período tão obscuro da nossa História e vai permitir que avancem os processos judiciais, ainda estão pendentes", indicou, em lágrimas, o ministro Germán Garavano. Ele insistiu que se trata de "um fato histórico". O recebimento dos documentos, que foi celebrado pelo presidente argentino Mauricio Macri nas redes sociais, também pode abrir novas linhas de investigação, já que os arquivos trazem detalhes sobre os executores de crimes, além das vítimas, nomes, datas e circunstâncias.

Esta é a quarta, a maior e a última entrega de arquivos secretos que os Estados Unidos realizam sobre a ditadura argentina. O processo começou em 2002 e termina agora, atravessando quatro governos dos Estados Unidos, totalizando quase 50 mil páginas em 7035 arquivos, um volume nunca antes visto.

Fornecer aos argentinos informação sobre o que aconteceu

As maiores desclassificações, no entanto, ocorreram entre 2016, no final da presidência de Barack Obama, quem inaugurou a chamada "diplomacia de desclassificação", e termina na de Donald Trump, amigo pessoal do presidente argentino.

Surpreendentemente, o próprio Trump escreveu a Macri uma carta lida durante a emotiva cerimônia. "Esta publicação constitui a maior desclassificação de arquivos da História do governo dos Estados Unidos a um governo estrangeiro. O meu desejo é que o acesso a esses documentos possa fornecer aos argentinos informação sobre o que aconteceu", escreveu Trump.

"O Projeto de Desclassificação reflete o compromisso histórico do governo dos Estados Unidos com a responsabilidade e com os direitos humanos. Ajuda a enfrentar o passado com honestidade e com transparência", disse, em nota, a Embaixada dos Estados Unidos na Argentina.

Contraste de posturas entre Brasil e Argentina

Enquanto a Argentina é o país que mais condenou militares no mundo, com 862 condenações e mais de 3 mil indiciados, o Brasil não levou ninguém a julgamento, amparado na Lei de Anistia de 1979.

O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, negou a existência de um golpe militar em 1964 e a ditadura que se seguiu posteriormente por 21 anos. Em viagem a Buenos Aires nesta semana, Araújo foi consultado pela RFI sobre a contradição entre não reconhecer uma ditadura no Brasil, enquanto a Argentina investiga e condena.

"Acho que a nossa experiência histórica é uma e que a experiência histórica da Argentina é outra. Não quero entrar na história argentina da que eu conheço pouco", alegou o ministro brasileiro, quem, no entanto, mostra-se como um estudioso da História. "Acho que o importante é a rediscussão de fatos históricos. Essa é a minha perspectiva e acho que qualquer país se beneficia de uma revisão", disse Ernesto Araújo.

Buenos Aires se diferenciou dessa postura brasileira. "A posição da Argentina é clara: um compromisso em defesa dos Direitos Humanos e contra os governos totalitários. Fomos nós os que sofremos aqui na Argentina. Nós levamos as investigações argentinas até as últimas instâncias", destacou o chanceler argentino, Jorge Faurie.

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