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Brasil/Diplomacia

Na China e no Oriente Médio, Bolsonaro tentará reduzir danos de alinhamento aos EUA

A partir de 22 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro fará um longo giro internacional para cinco países da Ásia e do Oriente Médio: Japão, China, Emirados Árabes Unidos, Catar e Arábia Saudita. Tanto nos encontros com o presidente chinês, Xi Jinping, quanto com o príncipe herdeiro saudita, Mohammad Bin Salman, e vizinhos do Golfo Pérsico, o foco de Bolsonaro será reduzir os danos causados pelos sinais de adesão à política externa do presidente americano, Donald Trump, uma inclinação unilateral nociva aos interesses comerciais do Brasil com países fundamentais para as exportações brasileiras.

Jair Bolsonaro, durante a Primeira Sessão plenária da Cúpula de Líderes do G20, em junho passado, em Osaka, no Japão.
Jair Bolsonaro, durante a Primeira Sessão plenária da Cúpula de Líderes do G20, em junho passado, em Osaka, no Japão. Foto: Alan Santos / PR
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Nos últimos anos, as vendas de commodities e produtos brasileiros aos países muçulmanos do Golfo Pérsico superaram o comércio com a União Europeia. Durante a campanha e no início do governo Bolsonaro, causou um intenso mal-estar na região a vontade proclamada do presidente de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo os passos de Trump. "Houve uma forte rejeição a esse projeto no mundo árabe e também no Irã, um grande comprador de frango brasileiro", recorda Oliver Stuenkel, coordenador do programa de pós-graduação da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP).

Na avaliação do especialista da FGV, Bolsonaro vai à Arábia Saudita, aos Emirados Árabes Unidos e ao Catar com a intenção de mostrar que essa região também é importante. "É fundamental que assuntos políticos não interfiram nessa relação econômica", destaca Stuenkel. "O objetivo do governo nessa visita é modesto: preservar os laços existentes e evitar novas tensões políticas", afirma. A Arábia Saudita poderá aumentar os investimentos no Brasil, acredita o professor de Relações Internacionais.

A aproximação enviesada do presidente brasileiro com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, tendendo para um dos lados no conflito no Oriente Médio, também causou estranhamento entre judeus e árabes no Brasil. "Eles sempre apreciaram o pragmatismo do país no tratamento de questões complexas e conflituosas do Oriente Médio, sobretudo tendo no Brasil comunidades representativas dos dois lados do conflito principal, que opõe Israel e os países árabes", ressalta o diplomata Paulo Roberto de Almeida, ex-diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IPRI), atualmente professor de pós-graduação no Centro Universitário de Brasília (Uniceub).

"Felizmente, isso foi criticado tanto pela comunidade de exportadores de carne halal, que iria sofrer bilhões de dólares de prejuízo, quanto pelos militares, mais sensatos e racionais", analisa. "O passado de imparcialidade e de objetividade adotado historicamente pela diplomacia brasileira nessa região estava ameaçado por uma postura pró-Israel extremamente militante, seguindo o que foi feito por Donald Trump nos Estados Unidos", pontua o diplomata.

Almeida recorda que a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, se esforçou para recuar nesse militantismo pró-Israel, que causaria prejuízos graves numa enorme cadeia de valor, não apenas de grãos, mas de carnes, e que mobiliza centenas de milhares de pessoas, produzindo saldos comerciais significativos com esses parceiros.

Grandes negócios

Para o diplomata e professor da Uniceub, na visita ao Oriente Médio, o presidente brasileiro tentará corrigir os desgastes causados com os países árabes não por convicção, mas por pressão dos meios exportadores ou por interesse comercial. "E é claro que os filhos do Bolsonaro têm uma noção de que existem interesses comerciais em jogo e grandes negócios, tanto em direção aos capitais árabes, que são enormes, quanto em direção a outros negócios nos Estados Unidos. É certo que isso contentaria uma parte da comunidade de exportadores brasileiros, ou pelo menos amenizaria os efeitos nefastos dos primeiros momentos da política externa", argumenta.

O presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Rubens Hannun, afirmou recentemente que as exportações brasileiras continuam em alta para a região, tendo alcançado US$ 7,09 bilhões de janeiro a julho, valor 6,9% superior ao registrado no primeiro semestre de 2018. Os principais produtos vendidos para a região são carne de frango, açúcar, minério de ferro, carne bovina e milho.

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, esteve nos Emirados Árabes Unidos no início de agosto para preparar a visita do pai. Ele revelou que o emirado tem procurado estreitar as relações com o Brasil e, nos encontros que manteve com autoridades locais, discutiu a ratificação de acordos e a possibilidade de venda do avião Embraer KC-390. Sobre as tensões geopolíticas na região e a disputa histórica por hegemonia, que opõe o Irã e a Arábia Saudita, Eduardo Bolsonaro evocou uma possível ajuda do presidente na mediação desse conflito. Mas para Stuenkel, da FGV, "é pouquíssimo provável que o Brasil seja visto com influência e peso consistentes para moderar algo assim".

Antes de visitar os países árabes, Bolsonaro vai ao Japão, participar da cerimônia de entronização do novo imperador, Naruhito, no Palácio Imperial de Tóquio. Ele vai se reunir com o primeiro-ministro Shinzo Abe. Os dois líderes devem anunciar um acordo de livre comércio entre o Japão e o Mercosul.

China

Na China, onde se encontrará com o presidente Xi Jinping, a maior expectativa é com relação ao anúncio de participação da companhia chinesa Huawei no leilão de construção da rede de telecomunicações 5G no Brasil. A tecnologia chinesa, considerada a mais avançada do mundo, será a base de toda a economia digital em expansão nas próximas décadas. Trump pressiona Bolsonaro a banir e proibir a participação da empresa chinesa no leilão previsto para o ano que vem no Brasil.

"A China deixou muito claro que isso seria interpretado como um ato hostil e que afetaria seriamente a relação comercial com o Brasil. Os chineses são os maiores compradores de produtos brasileiros no mundo, e o vice-presidente Hamilton Mourão já antecipou que o Brasil permitirá a participação da Huawei. Para Bolsonaro, será um momento difícil pela importância que ele dá à relação política com os Estados Unidos", prevê Stuenkel.

No governo Bolsonaro, a política externa continua altamente imprevisível, mas tudo indica que o presidente não vai se indispor novamente com a China e aceitará a participação da Huawei. Se essa escolha for confirmada, é provável que Washington adote retaliações contra o Brasil. Uma das hipóteses, na avaliação do professor da FGV, seria retirar do Brasil o estatuto atribuído recentemente de grande aliado extra-OTAN. Essa cooperação, oferecida por Trump, implica o compartilhamento de informações entre as Forças Armadas dos dois países na unidade que o Pentágono mantém sobre a América Latina.

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