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Saúde em dia

Estresse na infância pode resultar em câncer na idade adulta

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Viver frequentemente situações de estresse durante a infância pode ter graves consequências para a saúde do indivíduo na vida adulta. Esse é o resultado de um estudo desenvolvido pelo Instituto Nacional de Saúde e de Pesquisa Médica (Inserm) da Universidade de Toulouse, na França, que relaciona traumas infantis com o desenvolvimento de alguns tipos de câncer ou até com a morte precoce, antes dos 50 anos.

Pesquisadores advertem que a repetição de situações de estresse na vida da criança os torna propensos a várias patologias crônicas na fase adulta.
Pesquisadores advertem que a repetição de situações de estresse na vida da criança os torna propensos a várias patologias crônicas na fase adulta. Pixabay
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Para realizar a pesquisa, o histórico de vida de mais de 7,5 mil britânicos foi estudado. Entre as adversidades mais graves vividas na infância analisadas pelos pesquisadores estão abandono ou negligência na família, morte ou separação dos pais, além de doenças mentais ou alcoolismo na família.

Uma das autoras do estudo, a epidemiologista Michelle Kelly-Irving, explica que é a repetição ou a continuidade de situações de estresse na vida da criança que torna os adultos propensos a várias patologias crônicas, como o câncer. Segundo ela, é normal que, em casos de estresse agudo, o corpo reaja liberando adrenalina e cortisol. Mas se a situação perdura e se torna uma rotina, as consequências podem ser graves para o sistema imunitário ou inflamatório. "O perigo é quando as respostas fisiológicas ao estresse se tornam crônicas, ou seja, quando nosso corpo está em estado de excitação fisiológica durante muito tempo. As consequências disso são muito nocivas para o nosso corpo."

Kelly-Irving ressalta que, na infância, os indivíduos estão em uma fase importante do desenvolvimento cerebral e são mais sensíveis a mudanças fisiológicas como essas. "Esse fenômeno pode ter repercussões para nosso sistema no momento em que o estresse acontece, mas também para toda a sequência de respostas que daremos ao estresse durante o resto das nossas vidas", reitera a pesquisadora.

70 % dos depressivos viveram estresse precoce

O psiquiatra e pesquisador brasileiro Mario Francisco Pereira Juruena desenvolve pesquisas sobre estresse precoce no departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Universidade de São Paulo (USP) e no Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociências da King's College de Londres. Ele explica que as pesquisas na área dividem os pacientes com doença mental entre os que passaram ou não por estresse precoce. "Os estudos falam que 70 % das pessoas que vão desenvolver uma doença como a depressão sofreram situações traumáticas na infância ou na adolescência", enfatiza.

De acordo com Juruena, entre as pessoas que desenvolvem depressão na vida adulta, os que viveram estresse na infância terão um prognóstico mais grave. "Esses indivíduos terão mais alterações no sistema imunológico, com maior pré-disposição a doenças autoimunes, como o próprio câncer. Há vários estudos que também mostram que o sistema cardiovascular é afetado diretamente, podendo provocar uma morte precoce, aos 50 anos de idade, por exemplo."

Outras complicações e doenças hormonais, neurológicas, endócrinas e reumáticas também podem aparecer na vida do paciente que viveu estresse precoce. "Na área da psquiatria, percebemos que as pessoas com depressão que viveram estresse precoce terão, inclusive, um maior risco de suicídio", completa Juruena.

Por isso, lembra, o primeiro passo é diagnosticar o estresse precoce e providenciar um tratamento, de preferência psicoterápico. "Se uma criança, ao invés de ter atenção e carinho da família e educadores, recebeu maus tratos, vai precisar trabalhar essas situações com a psicoterapia. Só a prescrição de um remédio não vai resolver", explica.

Como detectar sinais de estresse precoce

A psicóloga Ana Maria Rossi, presidente do Isma Brasil - organização internacional de pesquisa, prevenção e tratamento do estresse -, diz que os pais devem estar atentos a alguns comportamentos específicos dos filhos que podem revelar que a criança está passando por situações de estresse. "O sono muito agitado ou dificuldades para dormir, a agressividade ou choro frequente sem justificativa, dificuldades em situações de adaptação ou falta de flexibilidade, como, em casos de mudanças de planos", enumera.

Rossi também lembra que a predisposição para o estresse e a depressão é genética, mas pessoas que tenham na infância um bom modelo familiar conseguem lutar mais facilmente contra o problema. "Uma criança que vive em ambientes onde há um alto nível de ansiedade, nos quais familiares são angustiados ou sofrem de depressão, vai refletir essa experiência em sua vida porque ela aprende a viver com isso. Já a criança que tem pais mais otimistas, que deem um modelo de educação mais seguro e mais sólido, se espelhará nesse comportamento na fase adulta", ressalta.

A psicóloga lamenta o fato de pais, educadores e mesmo profissionais brasileiros relevarem até hoje a gravidade da depressão infantil. "Muitas pessoas ainda se perguntam: ‘mas como uma criança pode estar estressada?’. Até mesmo na área médica, alguns profissionais não reconhecem a depressão infantil e isso limita muito os recursos que se desenvolve para combater esse problema."

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