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“Cortar internet é decisão de ditador”, diz especialista durante Web Summit

A apresentação de maior sucesso até agora no Web Summit de Lisboa, o maior evento mundial sobre a internet, foi a de Nnenna Nwakanma, diretora de políticas públicas da Web Fondation. Nascida na Costa do Marfim e com origens nigerianas, ela falou da relação dos governos africanos com a internet.

Nnenna Nwakanma participou da edição 2018 do Web Summit
Nnenna Nwakanma participou da edição 2018 do Web Summit RFI/Marc Etcheverry
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RFI: Tim Berners-Lee, que nós consideramos o “pai do Web”, fez uma intervenção memorável no Web Summit, ao apresentar sua ideia de um “contrato” para a internet. Chegou a hora de rever nossa relação com o universo online?

Nnenna Nwakanma: O contrato para a web nasceu da vontade de que a internet seja um espaço de oportunidade, de ajuda humanitária, um espaço seguro, onde não sentimos medo, onde os usuários têm confiança para fazer suas atividades. Mas trinta anos após sua invenção, somente metade do mundo está conectado, seu poder começa a se concentrar nas mãos de algumas pessoas, e seu uso faz mal à humanidade.

RFI: Certos gigantes da internet, como Google e Facebook, já assinaram esse contrato. O governo francês igualmente. Como isso vai se concretizar, finalmente?

Nnenna Nwakanma: Nesse contrato, há nove princípios, divididos em três níveis: governo, setor privado e sociedade civil. E desde o dia 5 de novembro, cerca de 2000 atores já assinaram. A próxima etapa é que todos se sentem numa mesa e digam: “Aqui estão os engajamentos que nós tomamos, e isso é o que vamos fazer. Lutemos no combate pelo custo da internet, pela defesa da neutralidade e pelo respeito aos dados de caráter pessoal”.

RFI: Quem verificará se as promessas foram respeitadas?

Nnenna Nwakanma: Nós queremos instaurar um mecanismo de avaliação a cada um ou dois anos. Porque em geral há grandes discursos e, em seguida, nada.

RFI: Nesse combate por uma internet melhor, a África é um terreno particular...

Nnenna Nwakanma: Sou africana, da Costa do Marfim, com origem nigeriana. Há seis anos, trabalho na Web Foundation pela abertura de dados, atuando junto aos governos africanos, e também pela redução dos preços, como em Gana, Moçambique, Nigéria ou Libéria. E também lutamos pelos direitos das mulheres, porque nossos estudos mostraram que são sobretudo elas as mais esquecidas.

RFI: Em 2013, você lançou o Aliança por uma Internet Abordável, do qual participam gigantes da área. Qual o estado atual do projeto?

Nnenna Nwakanma: Hoje temos o objetivo de abaixar o preço de um giga de dados para menos de 2% do rendimento mensal de uma família. Em certos países, um giga equivale a 30% ou 40% do rendimento mensal. É preciso dinheiro para melhorar as infraestruturas e constatamos que não são os Estados que investem, é o setor privado. E quando o privado investe, ele exige um retorno. É preciso uma estabilidade econômica, social, que atraia os investimentos para desenvolver a internet.

O acesso à internet na África está concentrado no telefone móvel. Nesse setor, Facebook, com seu programa de Freebasics, se associa aos operadores para oferecer um acesso à internet, limitada à rede social, sem sobrecargas para os usuários. É preciso se inquietar?

Nnenna Nwakanma: Gostaria que todos os africanos me escutassem: Facebook nunca deu internet gratuita a ninguém. O que ele faz é o que todo comerciante faz. Quando você vai ao mercado e alguém te oferece algo, você prova uma vez, duas vezes, e depois disso você compra. Facebook não dá acesso gratuito à internet, ele dá acesso à plataforma. É como se você fosse ao grande mercado da cidade e que você só parasse na loja de galinhas e fosse embora. Você não viu nada do mercado.

RFI: Uma outra questão importante para a África e para o resto do mundo é o da proteção de dados pessoais. Mas no continente apenas quinze países têm uma legislação que faz referência ao assunto. É possível fazer isso em escala internacional?

Nnenna Nwakanma: Primeiramente, o problema da proteção de dados é um problema daqueles que estão conectados. Mas 75% dos africanos não têm vida virtual, para eles a proteção de dados não quer dizer nada – e, entretanto, alguém pode pegar seus dados e os colocar na internet, sem seu acordo. Em segundo lugar, não há uma convenção africana dedicada a esta questão, ainda que haja uma sobre a “cibersegurança” [escrita em 2014]. E mesmo nos países como a Costa do Marfim, onde há uma lei, sua aplicação é inexistente. Não conheço ninguém que foi julgado por esse motivo. Portanto, precisamos de leis, mas a Comissão da União Africana não pode obrigar nenhum país a votá-las. Em seguida, é preciso que elas cheguem até as pessoas. É preciso que os cidadãos tenham consciência da importância [do assunto]. Os deputados não podem mais votar as leis e voltar para casa, é preciso poder questioná-los para que eles se expliquem sobre o que votaram. É preciso órgãos para vigiar a aplicação e sanções.

RFI: A política pode ser bastante intrusiva. Já vimos vários países da África (como Camarões, Burundi, República Democrática do Congo) onde a internet foi cortada por autoridades.

Nnenna Nwakanma: Digo apenas uma coisa, não há maior erro político, atualmente, do que cortar a internet, o que chamamos de “shutdown”. Cortar o acesso à internet, porque o senhor presidente teme que escrevam coisas desagradáveis, é um grande erro. Hoje, todos os pagamentos são feitos online, estudamos online... E todas as transações comerciais? Muitos dos jovens são desenvolvedores de aplicação. Eles estão em seus países e tentam se virar online, seus computadores e telefones são sua forma de ganhar a vida. Já pude conversar com governos que cortaram a internet: não é nunca uma decisão do Parlamento, é sempre uma escolha arbitrária. É a manifestação de um ditador. Como vocês querem que um investidor entre num país se, do dia para a noite, madame Primeira Dama não está feliz do que escreveram sobre ela, liga para seu marido, que liga para o ministro, que ameaça os fornecedores de internet? No século XXI, é preciso que isso acabe.

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