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Estilo de vida saudável ainda é o melhor remédio contra a depressão, sugere artigo da revista L’Obs

A descoberta da relação entre a depressão e os baixos níveis de serotonina no organismo, aliada às contribuições da evolução da engenharia química à indústria farmacêutica, fez dos antidepressivos a grande esperança para a cura da depressão nas últimas décadas, elevando exponencialmente o consumo do medicamento em todo mundo. Mas o insucesso de muitos tratamentos reacende a polêmica sobre as terapias possíveis para uma doença ainda longe de ser decifrada pela medicina, com causas que podem ser biológicas, psicológicas, sociais e econômicas, e que atinge 300 milhões de pessoas em todo mundo, causando 800 mil suicídios todos os anos.

A depressão atinge 300 milhões de pessoas no mundo, segundo a OCDE.
A depressão atinge 300 milhões de pessoas no mundo, segundo a OCDE. Pics_pd/Pixnio/CCO
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“Os fatores sociais exercem forte influência sobre os cérebros de algumas pessoas vítimas de depressão, o que não necessariamente afetará a todos”, exemplifica Antoine Pelissolo, chefe do serviço de psiquiatria do Hospital Universitário Henri-Mondor, em Créteil.

A reportagem que ocupa a capa da revista francesa L’Obs desta semana amplia não somente o debate sobre as causas da depressão, considerada o principal distúrbio mental da sociedade moderna, mas também o uso de atividades físicas e de dietas como importantes aliados no combate a um problema que afeta uma entre cada cinco pessoas na França e que responde pela metade das licenças de trabalho no país, colocando-o como o 17° maior consumidor de antidepressivos do mundo, de acordo com a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já nos Estados Unidos o consumo de antidepressivos saltou em 400% desde os anos 2000.

Uma cultura que banaliza o uso medicamentos e o não reconhecimento pela saúde pública do esporte e da nutrição como tratamentos formais dificultariam o acesso dos pacientes a essas alternativas, motivo de crítica e de luta de muitos especialistas, que entendem que psicoterapias, exercícios físicos e regimes podem ser prescritos – e subsidiados – tanto quanto medicamentos. “Como vamos incentivar as pessoas a adotarem essas novas terapias, que podem custar de 700 a até 1000 euros por algumas sessões, quando os medicamentos são reembolsáveis, podendo não ter nenhum custo ao paciente?”, questiona Pierre-Michel Llorca, psiquiatra do Hospital Universitário de Clermont-Ferrand.

Efeitos colaterais e recaídas

Endossando o discurso de médicos menos afeitos aos antidepressivos, o medicamento não é eficaz para todos os pacientes – além dos casos de recaídas, mais de 30% das pessoas não respondem ao tratamento – e traz efeitos colaterais como ganho de peso e perda da libido. Além disso, “os antidepressivos atuam sobre os sintomas da doença, mas não tratam a causa. Uma em cada duas pessoas apresenta recaídas após o tratamento”, explica Guillaume Fond, psiquiatra, médico em saúde pública no Hospital da Conception, em Marselha, e professor-pesquisador na Faculdade de Timone.

Os dados apontam para a obsolescência da teoria, sustentada nos anos 1980, de que a depressão estaria associada apenas aos níveis de serotonina no organismo, e lançam luz sobre uma complexidade muito maior da doença. “Atualmente, podemos enumerar diversas anomalias incontestáveis como o aumento de indicadores de inflamações, redução de atividade determinadas zonas do cérebro (principalmente no córtex pré-frontal), diminuição do volume do hipocampo (zona principal do cérebro essencial à memória e à aprendizagem), anomalias hormonais e outras. Mas tudo isso não nos permite dizer qual seria A grande causa”, detalha Antoine Pelissolo.

Reconhecer a pluralidade de causas permite oferecer diversidade também de terapias, que podem começar pelo que os especialistas chamam de “higiene de vida”. O psiquiatra Guillaume Fond conta que prefere discutir com os pacientes sobre seus estilos de vida e enfatizar a importância para a saúde, mental inclusive, de comer de forma saudável, dormir bem e praticar esportes, alertando que, diferentemente do que muitos pensam, a alimentação pode causar danos ao cérebro como a qualquer outro órgão do corpo humano.

Um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica (Inserm, na sigla em francês) destaca que a prática de esporte é um poderoso antidepressivo natural. “Para motivar meus pacientes a praticarem exercícios físicos, eu costumo dizer a eles: 45 minutos de corrida é equivalente a meio Prozac”, compara Fond.

Alimentação pode ajudar no combate à doença

Se o esporte merece o status de ser prescrito, o bom prato não fica atrás. Uma sequência da reportagem alerta sobre como a boa alimentação pode ser o fiel da balança entre uma vida saudável ou não, emocional inclusive. Estudos da unidade Nutrineuro do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica (Inra, na sigla em francês) revelam que o mesmo processo inflamatório, detonado pelo consumo de açúcares, que causa danos ao corpo, é extensivo aos problemas mentais, ao  interferir no metabolismo da serotonina e da dopamina, o que altera os estados de humor.

A relação de alimentos considerados nocivos para o cérebro não apresenta grandes revelações, mas enumera vilões para a saúde que sempre devem ser lembrados: frituras, pratos pré-preparados, doces industrializados, refrigerantes, gorduras saturadas, açúcar refinado. Por outro lado, alimentos que sejam fontes de ômega 3, vitamina D e vitamina B9 estão entre os mais recomendados. O artigo ainda destaca a chamada dieta mediterrânea, rica em frutas, legumes, grãos e peixes, como uma das mais indicadas. “A adoção do regime mediterrâneo é associado a uma redução de 33% no risco de depressão”, conta Tasmine Akbaraly, pesquisadora do Inserm.

O artigo, que figura em dez páginas da revista, ainda se estende a casos reais, em que pacientes e ex-pacientes compartilham suas experiências que contribuíram para superar a depressão, iniciativas que passam por meditação, yoga, massagens e até trabalhos voluntários, ratificando que aceitar a diversidade de causas da doença é imprescindível para não omitir opções – muitas vezes mais acessíveis e menos agressivas – de cura.

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