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Berlinale/Cinema

Lutas contra machismo e homofobia são destaque na Berlinale

O 68° Festival Internacional de Cinema de Berlim traz em sua programação uma seleção de filmes com temáticas ligadas à questão de gênero. A luta contra o machismo e a homofobia, principalmente na América Latina, é uma das abordagens da mostra “Panorama” da Berlinale.

Cena do filme Tinta Bruta, que tem a questão da homofobia em pano de fundo.
Cena do filme Tinta Bruta, que tem a questão da homofobia em pano de fundo. Divulgação: © Avante Filmes
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Enviado especial a Berlim

Os filmes com temáticas ligadas à sexualidade fazem parte da história do Festival de Berlim. Desde 1987, quando os organizadores lançaram o Teddy Award, prêmio que celebra a homossexualidade no cinema, a questão nunca saiu do programa.

Mas este ano, os organizadores vão além, abordando diretamente a discriminação de gênero na mostra “Panorama”, por meio da seleção “Desobediência - Corpos políticos, resistência ao machismo”. O projeto foi idealizada pela espanhola Paz Lázaro, o alemão Andreas Struck e o austríaco Michael Stütz, que estreiam este ano como comissários na “Panorama”, após 25 anos de curadoria de Wieland Speck.

Os novos pilotos da mostra decidiram focar a seleção em algumas produções que abordam a questão principalmente na América Latina. “Entre as escolhas, temos filmes do Brasil e da Argentina, que colocam em evidência estruturas de poder patriarcal e mostram os que ‘não se adaptam’ e que buscam sua intimidade, sua comunidade ou simplesmente sua segurança”, explica Michael Stütz em entrevista à RFI. “Ao mesmo tempo que desafiam as expectativas às quais não querem ser submetidos, os protagonistas dos filmes, principalmente os jovens, mostram sua vulnerabilidade, mas também sua força: com muita afirmação e audácia eles defendem suas identidades, minam as ordens de gênero branca ou o poder da igreja e procuram, com perseverança, um meio de proteger seus valores essenciais”, explica o curador, que também coordena o Teddy Award.

Personagens que decidem enfrentar a opressão

Um dos exemplos é Marylin, do argentino Martín Rodríguez Redondo. Baseado em fatos reais, o filme conta, de forma contemplativa, a história de um jovem do interior da Argentina que se descobre durante um carnaval. O tema carnavalesco, mas desta vez no Brasil, também é explorado pela diretora grega Evangelia Kranioti, que mostra, no documentário Obscuro Barroco, um Rio de Janeiro pelos olhos de Luana Muniz, figura da subcultura queer na cidade.

Entre as produções brasileiras, o principal representante desta seleção de ficções é Tinta Bruta, de Marcio Reolon e Filipe Matzembacher, que trata a questão da resistência e da homofobia e é apresentado na Berlinale neste domingo (18). A trama conta a história de Pedro, um jovem que ganha a vida expondo na internet seu corpo pintado com tinta neon.

“Queríamos fazer um filme sobre uma pessoa lidando com o momento que ela decide não suportar mais a opressão e reagir”, relata Matzembacher. Sem revelar o mistério por traz do personagem, o diretor conta apenas que “Pedro tem que lidar com o fato de que a sociedade quer puni-lo porque um dia ele cansou de não reagir”.

Reolon lembra que o contexto atual no Brasil contribuiu para a reflexão sobre a questão da opressão. “Esse momento político que o país vive atravessou a escrita do nosso filme. Enquanto a gente desenvolvia, o projeto ocorria o golpe, as forças conservadoras começavam a ganhar força e isso nos colocou num sentimento de indignação, que acabou impregnando o roteiro”, explica o diretor.

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Márcio Reolon, diretor de Tinta Bruta

Mas para ele, esse é um fenômeno mais amplo, já que o avanço do conservadorismo também ocorre em outros países. “É algo que tem quase um efeito global nesse momento”, deplora Reolon.

Documentários mostram a resistência na vida real

Além da seleção “Desobediência”, a Berlinale traz alguns exemplos de resistência e de luta contra a homofobia e o machismo na vida real, com documentários que mostram um outro lado da América Latina. É o caso de Bixa Travesty, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman, que conta a história de Linn da Quebrada, impressionante performer brasileira, que sacode os paradigmas de gênero.

Bixa Travesty, que também é exibido neste domingo, foi escrito a seis mãos, com a participação da performance no roteiro. E os três autores veem no projeto um ato militante: “É um filme sobre um corpo político, que trata de temas urgentes, como transfobia, transfeminismo, machismo e entendimento de novos corpos”, defende Claudia Priscilla. “O documentário tem a questão de pensar esse machismo que reina no Brasil, um país governado por homens, brancos e ricos”, completa Goifman.

Saindo da América Latina, a Berlinale também projetou, neste sábado (17), Shakedown, um documentário que mostra as festas organizados em Los Angelos nos anos 1990 em casas noturnas que reuniam principalmente lésbicas negras. O filme, que pode ser lido como uma versão californiana do emblemático documentário Paris is Burning (1991), mostra shows de striptease influenciados por ritmos afro-caribenhos. As imagens reunidas em Shakedown pela diretora Leilah Weinraub (que hoje mudou de carreira e dirige a marca de moda Hood by Air) são tão fortes que fazem com que movimentos como o neo-voguing ou twerking, que deram o que falar nos últimos anos, parecem bricandeiras de criança.

Mas resistência passa também por exemplos mais sutis, como no caso de Las herederas, uma coprodução entre Brasil, Paraguai, Alemanha, Uruguai, Noruega e França, dirigida pelo paraguaio Marcelo Martinessi e que concorre ao Urso de Ouro. No filme, a vida de duas mulheres muda quando uma delas, endividada, vai parar na cadeia e sua companheira, até então acostumada a ser servida, se transforma em motorista particular. A maneira como o diretor apresenta um casal lésbico de mais de 50 anos já é, por si só, uma forma de resistência. Além disso, durante quase duas horas praticamente nenhum homem aparece na tela.

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