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Implante / Escândalo

Líder mundial de tecnologia médica está no centro de um escândalo sobre a falta de qualidade de implantes

As revelações feitas no “Implant Files” pelo Coletivo Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) que reúne 59 veículos de imprensa (incluindo Le Monde) apontaram que a regulação ineficiente e a falta de testes em dispositivos médicos provocaram mortes e complicações em doentes de todo o mundo. No centro desse escândalo está a empresa americana Medtronic, cujas práticas estariam ligadas a diversos incidentes fatais, não somente nos Estados Unidos, mas em muitos outros países.

Medtronic, líder mundial de tecnologias médicas, é uma das principais fabricantes de marca-passos
Medtronic, líder mundial de tecnologias médicas, é uma das principais fabricantes de marca-passos JOE RAEDLE / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP
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A investigação “Implant Files” foi feita por mais de 250 jornalistas de 36 países, que analisaram milhares de documentos. A conclusão é assombrosa: a falta de controle e fiscalização de dispositivos médicos – como marca-passos, implantes mamários, contraceptivos ou próteses de quadril – provocam cada vez mais complicações, difíceis de quantificar e identificar.

Somente nos Estados Unidos, país que possui uma grande base de dados de implantados, estima-se que complicações com estes tipos de dispositivos teriam causado, em dez anos, 82 mil mortes e 1,7 milhões de feridos. Cinco vezes mais do que em 2008.

Na França, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde, o número de incidentes ligados a dispositivos médicos duplicou no mesmo período, com mais de 158 mil complicações, 18 mil casos só em 2017.

No Reino Unido, entre 2015 e 2018, a agência reguladora recebeu 62 mil queixas de incidentes com dispositivos médicos, um terço dos quais tiveram repercussões graves nos doentes, e 1.004 resultaram em morte.

9.300 mortes envolveriam diretamente a empresa americana Medtronic. Líder mundial do setor de tecnologias médicas, o grupo também é amplamente responsável por incidentes relacionados a implantes: no ano passado, um em cada cinco casos no mundo foi devido a seus produtos.

Pacientes com diabetes foram os mais afetados

Bombas de insulina e seus componentes são os itens que mais tiveram falhas, e os pacientes com diabetes denunciaram o comportamento da empresa que nunca alertou dos riscos no uso de seus produtos e simplesmente ignorou todas as reclamações.

Medtronic terá que se esforçar para salvar sua reputação, assim como toda a indústria médica americana. O país é líder no mercado mundial de implantes, que teria exportado, somente no ano passado, US$ 41 bilhões.

O presidente do Real Colégio de Cirurgiões da Inglaterra, Derek Alderson, afirmou ao jornal Guardian que a quantidade de incidentes já é suficiente para "ressaltar a necessidade drástica de mudanças na regulação", incluindo a introdução de um registro obrigatório em todos os dispositivos médicos. "Ao contrário dos medicamentos, muitas inovações cirúrgicas são introduzidas sem ensaios clínicos ou evidência científica confirmada", afirmou, considerando que isso constitui "um risco para a segurança do paciente e para a confiança pública".

Produtos proibidos nos EUA são exportados para outros países

Entre as preocupações levantadas pelos “Implant Files”, está a possibilidade de comercializar um produto, mesmo após ter sido proibido em outros países.  Nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), órgão único de certificação de medicamentos e produtos alimentícios, proibiu a venda de 4.600 produtos em solo americano, mas autorizou a livre distribuição para o exterior.

A investigação do ICIJ se iniciou por uma demonstração mais que absurda. Em 2016, uma jornalista do canal de televisão holandês Avrotos conseguiu aprovar uma redinha para frutas como sendo um implante vaginal. A jornalista em questão fingiu ser uma funcionária de um fabricante de próteses e conseguiu obter a autorização de três organismos diferentes com a promessa que receberia o selo CE, que garante o acesso ao mercado da União Europeia.

Se a imprensa holandesa teve tanta facilidade, é porque atualmente não são necessários estudos para aprovar o uso de dispositivos médicos. Não é preciso nem apresentar o produto, um simples dossiê enviado a agência certificadora já basta. Consequência: o número de incidentes ligados a implantes explodiu.

Na Alemanha, o caso das próteses mamárias PIP já havia mostrado as falhas do sistema europeu. A órgão regulador TÜV, um das mais importantes do bloco, havia realizado 13 fiscalizações nos locais da empresa PIP, entre outubro de 1997 e janeiro de 2010, sem nunca constatar irregularidades, sendo que o silicone caseiro fabricado pela companhia estava longe de respeitar o padrão autorizado.

Medtronic do Brasil estava envolvida em esquema de fraudes

No Brasil, a revista Piauí, que faz parte do ICIJ, revelou documentos que mostram como funcionava o cartel composto pelas três empresas que atuavam no setor, em 2007: Medtronic, Biotronik e Saint Jude. O esquema de fraudes, que desviava dinheiro público ao superfaturar contratos, promovia cirurgias desnecessárias, colocando vidas em risco, e isso desde meados dos anos 90.

O médico cirurgião e presidente da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), Paulo M. Pêgo Fernandes, acredita que a regulamentação precisa ser cada vez mais rigorosa. “Podemos dizer que esse controle de qualidade, que seja em material médico ou na alimentação, é algo relativamente recente e que ainda há muito a aprimorar”, explica o cirurgião.

“Essa é uma questão que transcende a área médica. Até porque o médico em si, ele não tem como ter esse tipo de controle. Isso deve ser feito antes de chegar no médico, na enfermeira ou no paciente. É um controle de indústria e os órgãos regulatórios é que têm que aferir isso”, afirma o médico.

O presidente da ABTO acredita que após o “Implant Files” as agências reguladoras terão que rever seus procedimentos para que a confiança dos pacientes possa ser restabelicida. “Nós fazemos parte da mesma sociedade, se algo não funciona bem, prejudica a todos nós”, conclui Paulo M. Pêgo Fernandes.

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