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França/ protestos

Como combater os black blocs? França se questiona

A depredação da fachada de um hospital infantil por um grupo de black blocs parece ter sido a gota d’água que estourou a paciência dos franceses com os militantes radicais. Os manifestantes violentos têm sistematicamente se infiltrado nas manifestações contra a reforma da lei trabalhista na França, ao ponto de levar o presidente do país, François Hollande, a ameaçar proibir os protestos se os incidentes voltarem a se repetir.

Grupos de black blocs depredam as ruas para se armar, em meio às manifestações contra a reforma trabalhista.
Grupos de black blocs depredam as ruas para se armar, em meio às manifestações contra a reforma trabalhista. REUTERS/Philippe Wojazer
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No contexto do estado de emergência em que vive a França desde os atentados terroristas do ano passado, a preocupação com a segurança é ainda maior. O país se questiona como barrar a atuação desses grupos – se, por um lado, proibir as manifestações parece uma medida extrema e antidemocrática, por outro, os franceses cansaram do rastro de destruição e medo deixado pelos jovens cobertos de preto e preparados para o combate. Estimados em algumas centenas em cada protesto, os black blocs escondem o rosto para evitar a identificação e protegem os olhos com óculos de esqui, contra o gás lacrimogêneo da polícia que, cedo ou tarde, esfumaça os protestos.

Dinâmica de ação e motivações diversas

Os sindicatos de policiais reclamam das orientações de ação que vêm de cima, do Ministério do Interior: as forças de ordem só podem agir depois que são atacadas. Sendo assim, os agentes se acostumaram a assistir, impotentes, aos black blocs se equipando para a guerrilha urbana. Primeiro, em meio à multidão, quebram muros e paradas de ônibus para recuperar pedaços de concreto e vidro, que servirão de armas. Depois, se reagrupam rapidamente e gritam palavras de ordem contra a polícia. Por fim, buscam o conflito direto.

No percurso, ainda não perdem a chance de destruir tudo o que represente o establishment, como bancos e lojas de grandes redes internacionais. Quase sempre, os militantes de extrema-esquerda são anarquistas, contrários à globalização, ao sistema e ao capitalismo, mas também reivindicam causas específicas, como a ecologia ou a defesa dos migrantes.

Queixas dos policiais

Um dos maiores problemas para a intervenção policial é a presença de manifestantes pacifistas ou de habitantes no meio da confusão. Outro empecilho, alegam os representantes da categoria, é a limitação para o uso de ferramentas de repressão da violência, como tiros de granadas de gás lacrimogêneo ou de balas de borracha. Porém, incidentes graves recentes, como a morte de um manifestante e a perda de um olho de outro, fizeram com que as autoridades francesas prefiram manter a cautela durante os confrontos. Os sindicatos policiais reivindicam mais policiais destacados para garantir a proteção dos protestos, para aumentar o efeito de dissuasão.

Policiais reclamam que quantidade de agentes é insuficiente para garantir a segurança dos protestos.
Policiais reclamam que quantidade de agentes é insuficiente para garantir a segurança dos protestos. MATTHIEU ALEXANDRE / AFP

Para tentar evitar novas confusões, o governo francês havia proibido 130 pessoas identificadas como violentas de participar dos protestos desta terça-feira (14). Mas a medida esteve longe de bastar: as autoridades dizem que havia entre 700 e 800 manifestantes violentos infiltrados na marca oficial, promovida pelo sindicato CGT.

Nesta quarta-feira (15), o primeiro-ministro, Manuel Valls, questionou a ambiguidade dos sindicatos organizadores dos protestos oficiais, contra a reforma trabalhista. “Quando não se é capaz de organizar uma manifestação, não se deve fazê-la”, acusou o premiê. “A CGT, um grande sindicato e que eu respeito, deve assumir a sua responsabilidade e fazer com que o seu serviço de ordem atue quando é preciso afastar um grupo de vândalos”, pediu Valls, referindo-se aos seguranças do sindicato, que devem enquadrar os protestos da entidade.

Quem são os black blocs da França

O pesquisador Olivier Cahn, do Centro de Pesquisas Sociológicas sobre o Direito e as Instituições Penais, explicou ao jornal Metronews que existem três tipos de “casseurs” (quebradores, em tradução livre), como eles são chamados na França: jovens politizados, mas violentos, que pertencem a movimentos anarquistas; jovens da periferia que se aproveitam da situação para liberar a raiva contra o sistema; e uma categoria intermediária, formada por participantes da manifestação oficial e que simpatizam com o modus operandi dos black blocs – em geral, estudantes e desempregados pouco politizados. “O problema é que, como estes não são treinados como os outros, são sempre eles que acabam detidos pela polícia”, afirmou Cahn ao jornal francês.

Neste contexto, a contestação do projeto trabalhista de Hollande é apenas um pretexto: a cada grande evento internacional ou manifestação, a intervenção dos militantes radicais se repete, como ocorreu na Conferência do Clima de Paris (COP21), em dezembro.

“No início, esses movimentos surgiram na época comunista, contrária a Lênin. Eles então migraram para o anarquismo, valorizando a ação direta de reapropriação dos bens ‘roubados’ pelo capitalismo, além de rejeitarem cada vez mais as organizações, em prol da espontaneidade dos rebeldes”, explicou a professora de sociologia Isabelle Sommier, especialista em violência política e movimentos sociais da Universidades Paris 1 – Panthéon-Sorbonne, à revista LesInrocks. “Seja qual for a motivação principal - se houver -, a disposição para entrar em lutas físicas e a crença de que a violência é necessária e legítima é o DNA comum entre esses diferentes grupos”, disse a pesquisadora.
 

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