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O Mundo Agora

Eleições na Europa mostram crise aguda de representação política

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Onze candidatos oficiais nas eleições presidenciais francesas e muitos eleitores nem sabem em quem votar. Na última eleição holandesa concorriam quase vinte partidos, e onze ganharam assentos. Na Europa inteira é a mesma pulverização da vida política.

Onze candidatos disputarão a eleição presidencial francesa
Onze candidatos disputarão a eleição presidencial francesa REUTERS/Staf
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A multiplicação de legendas sempre existiu. Mas hoje, são os grandes partidos de governo, que garantiram a estabilidade democrática nas últimas décadas, que também estão implodindo. As principais vítimas desta entropia política são os sociais-democratas. Brutalmente castigados nas urnas, muitos estão se dividindo em tendências irreconciliáveis. Uma ala utópica que sonha em mudar o mundo de cabo a rabo, mas com um programa tão irrealista e radical que apavora a grande maioria dos cidadãos. E uma ala que propõe reformas, em geral sensatas, mas é incapaz de implementá-las quando chega no poder, sobretudo porque sua ala radical não deixa.

Na Inglaterra, o velho Partido Trabalhista praticamente se suicidou elegendo um líder da esquerda radical. O futuro agora são anos e anos de oposição, pouca relevância eleitoral e até a possibilidade de um racha completo. Na Espanha, o Partido Socialista foi ultrapassado pelo novo Podemos de extrema esquerda, enquanto o PASOK grego desapareceu frente aos radicais do Syriza e o Partido Trabalhista neerlandês perdeu quase todas as cadeiras que tinha.

Na Itália, a esquerda está tão dividida que não sabe se vai poder resistir ao vendaval dos partidos populistas. Na França, o candidato oficial do PS não passa de 12% nas sondagens e o partido já se despedaçou, com os mais radicais atraídos pela extrema-esquerda de Mélanchon e os reformistas namorando a candidatura de Emmanuel Macron que proclama ser “de esquerda e de direita” ao mesmo tempo.

Na verdade, não é só a esquerda de governo que está se desfazendo. A direita tradicional também. Em todos os países europeus, os partidos conservadores tem que competir com a extrema-direita nacionalista, anti-europeia e xenófoba que ganhou força com a crise econômica dos últimos anos. E essa competição está acirrando as divisões internas entre os liberais centristas e os que acham que a salvação da lavoura é correr atrás da brutalidade dos extremistas.

Essa fragmentação geral do eleitorado é sinal de uma crise profunda da representação política. A democracia precisa de partidos representativos fortes, com capacidade de governar e aplicar programas e promessas. Mas pelo visto, em cada sociedade nacional, não há mais consensos bastante robustos para construir agrupamentos sólidos em torno de valores e projetos compartilhados.

Nesse mundo globalizado, com a Internet et redes sociais empoderando cada cidadão, é como se a própria noção de “povo” tivesse desaparecido. Entramos na era dos indivíduos, cada um com seus interesses, identidades e sonhos próprios. Os partidos políticos, criados nos últimos duzentos anos, foram filhos da revolução industrial.

Revolução tecnológica acaba com velho modelo industrial

A concentração de operários em fábricas, submetidos à mesma disciplina e às regras definidas pelos industriais e o Estado, possibilitou o aparecimento de interesses comuns e até da ideia de “classes sociais”: trabalhadores e patrões se organizando em quatro famílias políticas – socialistas, comunistas, liberais e conservadores. Só que hoje, a revolução tecnológica e a globalização das economias estão acabando com o velho modelo industrial. A multiplicação de formas de emprego, de empresas e de sonhos de vida não podem mais alimentar a coerência de partidos representativos.

A própria confrontação entre esquerda e direita perdeu relevância: qualquer pessoa hoje pode se dizer de esquerda ou de direita dependendo do momento ou do assunto. O futuro da democracia está na possibilidade de construir instituições representativas de um novo tipo, adaptadas a sociedades onde os problemas e desafios não têm mais fronteiras. E onde os cidadãos-indivíduos possam ter mais instrumentos de controle sobre o poder político. A alternativa seria trágica: a guerra civil entre os “perdedores” e os “ganhadores” da nova era da informação, produção e consumo “digital”.

* Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica de política internacional às segundas-feiras para a RFI

 

 

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