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Eleição presidencial 2017

Em quem votam os portugueses da França?

Eles são hoje cerca de 1,5 milhão na França, entre portugueses natos e seus descendentes. É o terceiro grupo de imigração mais numeroso, depois dos argelinos e marroquinos. Em tempos de eleições presidenciais, qual é a inclinação do voto franco-lusitano?

Supermercado português em Champigny-sur-Marne.
Supermercado português em Champigny-sur-Marne. Patricia Moribe
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Pergunta difícil de ser respondida, principalmente porque “as estatísticas ligadas à etnia são proibidas na França”, como explica Carlos Pereira, diretor do Lusojornal.

Para ter uma ideia sobre o interesse da comunidade nas eleições presidenciais francesas, a RFI Brasil foi até Champigny-sur-Marne, página importante da história portuguesa na França. A pequena comunidade, a apenas 12,5 km de distância do centro de Paris na direção leste, era ponto de chegada de milhares de imigrantes durante a década de 1960 e 1970, que fugiam da miséria e da ditadura de Antonio Salazar.

“Bairro de Lata”, maior favela da Europa

Mas a cidade não tinha estrutura para abrigar os imigrantes, que acabavam se alojando como podiam num terreno a ser desapropriado para a passagem de uma rodovia. A área chegou a ser a maior favela da Europa, abrigando entre 15 mil e 20 mil pessoas, conhecida entre os portugueses como “Bairro de Lata”, por causa das casas improvisadas.

Valdemar Francisco e Lionel Marques chegaram crianças ao Bairro de Lata. “Não havia luz, saneamento, nada”, lembra Lionel, hoje aposentado. “Lembro dos ratos”, acrescenta. “Aqui fui pela primeira vez à escola”, diz Valdemar, que se tornou empresário bem sucedido na área da construção, setor aliás, que contou e conta com muita mão-de-obra portuguesa.

 

Valdemar Francisco (esq.) e Lionel Marques diante de monumento em local que antes era o "Bairro de Lata".
Valdemar Francisco (esq.) e Lionel Marques diante de monumento em local que antes era o "Bairro de Lata". Patricia Moribe

Prefeito comunista ganha homenagem póstuma

Valdemar e Lionel levam a RFI ao longo de um belo e extenso parque aberto, que começa a se florir com a primavera. E vão apontando para ruas e locais que não existem mais. “Ali era a escola”, “ali morava fulano”, relembram. E posam diante do monumento em homenagem a Louis Talamoni, prefeito do Partido Comunista Francês que ajudou muito a comunidade.

Valdemar tem dupla nacionalidade. Já Lionel teve que optar e hoje é só francês. Eleitores em potencial, portanto. Pergunto qual é a preferência deles entre os candidatos presidenciais. Desconversam e dizem, ambos, que ainda não se decidiram.

Seguimos até um bar que há algumas décadas era o ponto dos ônibus que vinham de Portugal. Até hoje os donos são portugueses e, idem, os frequentadores. Pergunto ao dono do bar, Batista, em quem vai votar. “Direita”, responde lacônico, sem querer desenvolver a resposta. Converso com alguns frequentadores, a maioria diz que não vota, pois não têm a nacionalidade francesa. Uns dizem que não se interessam, outros dizem que votariam na direita, se pudessem. Um cliente, Hermes, 30 anos na França, diz que não vota este ano porque não sabe em quem.

Café português é ponto de encontro da comunidade.
Café português é ponto de encontro da comunidade. RFI

“Portugueses chegam e já trabalham”

A reportagem segue para um mini complexo comercial, onde a comida portuguesa é o prato principal, com dois supermercados, rotisseria e restaurante. O movimento é grande e o cheiro de frango assado chega ao lado de fora.

Álvaro Reis mora perto dali desde que chegou, no início dos anos 1960. Ex-habitante do Bairro de Lata, ele diz que não vota porque não é francês, mas tem sua opinião: “Não sou de esquerda, porque o socialismo fez muito mal à França, há muita gente que ganha sem trabalhar. Nossos compatriotas, os portugueses, chegam e logo já estão a trabalhar. Outros recebem dinheiro para ficar em casa. Acho que um candidato como François Fillon (direita) seria capaz de lidar com isso”.

Álvaro Reis não vota, mas se pudesse, seria para Fillon
Álvaro Reis não vota, mas se pudesse, seria para Fillon Patricia Moribe

O açougueiro Jorge Vieira é de Angola, mas tem a nacionalidade portuguesa e vive na França desde 2006. “Eu votaria em Marine Le Pen, ela poderia dar mais trabalho às pessoas e reduzir o número de estrangeiros”. Entre outros clientes, Nogueira também votaria Le Pen. Filipe, há dez anos no país, vai votar em branco. Já Licínio, há 26 anos na França, não tem a nacionalidade francesa, mas se pudesse, seria em Fillon ou Macron.

Jorge Vieira, acougueiro, votaria em Le Pen se pudesse.
Jorge Vieira, acougueiro, votaria em Le Pen se pudesse. Patricia Moribe

Ideias de Mélenchon não são aplicáveis

Fernando Sismeiro, há 49 anos no país, tem dupla nacionalidade. Ele trabalha com uma banca de revistas em português no mercado de Villiers-sur-Marne, colado a Champigny. Ele exprime sua preferência sem hesitar: “Voto em Marine Le Pen. É a única com condições de defender a Europa e, portanto, a França. Não é possível continuar a ajudar toda a gente. Acho que ela passa na primeira volta, mas não na segunda, como tem acontecido sempre”, diz. E o que acha de Mélenchon? “Tem boas ideias, mas não são aplicáveis, mesmo que ele seja um bocado mais moderno, já não é um partido comunista arcaico como era antigamente”, opina Sismeiro.

Fernando Sismeiro, eleitor de Marine Le Pen
Fernando Sismeiro, eleitor de Marine Le Pen Patricia Moribe

É visível uma certa simpatia de parte da comunidade em relação ao partido Frente Nacional, de Marine Le Pen. A candidata extremista fala sempre com carinho sobre os portugueses. Uma extensão do seu QG em Nanterre, noroeste de Paris, é um pequeno restaurante de especialidades lusitanas, “Chez Tonton”, onde Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, já tinha mesa cativa. Nas eleições de 2012, no caso de vitória, lá seria o local de comemoração, dizia ela. O dono Manuel chama Marine de “a menina”.

Banca de bacalhau, supermercado de Champigny-sur-Marne.
Banca de bacalhau, supermercado de Champigny-sur-Marne. Patricia Moribe

Estigmatização da comunidade como direitista

No entanto, há setores da comunidade que criticam essa generalização dos portugueses como sendo de direita. Cristina Semblano, vereadora independente de Gentilly, no sul da França, e que participa da campanha de Jean-Luc Mélenchon, de extrema esquerda, cita alguns dados que podem explicar essa imagem.

“Os portugueses estão aqui há muito tempo, mas vieram de um país sob o fascismo, onde era proibido fazer política, não havia sindicatos, mas censura, polícia política, informadores entre a população. Havia medo. Isso orientou a maneira deles e foi transmitido para as próximas gerações. A imigração portuguesa é ‘apreciada’, entre aspas, e já foi chamada de invisível e silenciosa, pois são pessoas trabalhadoras e não reivindicativas como os africanos do norte, que manifestam e defendem seus direitos.”

Comércio português em Champigny-sur-Marne
Comércio português em Champigny-sur-Marne Patricia Moribe

“Imprensa ignora candidatos de esquerda”

Cristina Semblano critica também o papel da imprensa portuguesa e da mídia da chamada “diáspora”, que dão muito espaço para a direita e extrema-direita, falam um pouco sobre os socialistas, pois são a situação, mas praticamente ignoram os candidatos de esquerda.

Já Nathalie de Oliveira, do Partido Socialista, vereadora de Metz, comissária europeia e candidata às próximas eleições legislativas, diz que optou pelo socialismo justamente pelas origens operárias da família. “Sempre fui cercada pelos combates de esquerda e sempre quis contribuir com isso, nem que fosse de forma modesta”, diz.
 

Banca de bacalhau, mercado de Villiers-sur-Marne.
Banca de bacalhau, mercado de Villiers-sur-Marne. Patricia Moribe

 

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