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Legalização do casamento gay é único legado incontestável de Hollande

A presidência de François Hollande chega ao fim neste domingo (14). O socialista passa o poder a seu sucessor Emmanuel Macron exatamente cinco anos após ter assumido a liderança da França. O balanço de seu mandato não é brilhante. Presidente mais impopular da 5ª República francesa, Hollande acumulou fracassos que o impossibilitaram ser candidato à sua própria sucessão. Único legado incontestável é a legalização do casamento gay no país, concordam especialistas ouvidos pela RFI.

O presidente François Hollande deixa o poder neste domingo, após cinco anos de mandato
O presidente François Hollande deixa o poder neste domingo, após cinco anos de mandato REUTERS/Benoit Tessier
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François Hollande assumiu a presidência da França em 15 de maio de 2012. Ele venceu o conservador e então presidente Nicolas Sarkozy, por 52% dos votos, com um plataforma de esquerda, contra o capital e pela justiça social, e prometendo ser um “presidente normal”. Mas a crise econômica e tragédias vieram atrapalhar os planos do socialista que teve que ajustar suas medidas e reformas, desagradando até integrantes de sua base aliada.

O geógrafo Hervé Théry, pesquisador emérito do CNRS e professor convidado da USP, faz um paralelo entre a eleição de Hollande e Macron e diz que o mandato do socialista pode servir de advertência ao novo presidente. “Como o Macron, Hollande não foi eleito (só) por si. Muita gente votou contra o Sarkozy, o que fez a eleição do Hollande não ter muita adesão. Ele teve a infelicidade de pegar crises bem duras, na Síria, terrorismo, situação econômica ruim. Então, sem muito carisma, ele não teve as melhores condições. Eu não diria, como Mélenchon, que foi a pior presidência dos últimos não sei quantos anos. Não é verdade, mas foi uma presidência morna, sem muito entusiasmo”, resume Théry.

O cientista político Mathias Alencastro lembra que o presidente tinha uma maioria rara, no Parlamento, no Senado e nas regiões, mas, na verdade, seu mandato nunca decolou. “O Hollande replicou a estratégia do primeiro mandato de [François] Mitterrand, que foi ser eleito com uma plataforma muito à esquerda e depois dar uma virada para o centro. Essa traição ao eleitorado mais à esquerda que apoiou o François Hollande, acho que foi fundadora, demolidora do mandato dele porque ele nunca mais conseguiu manejar a maioria que ele tinha conquistado”, avalia Alencastro.

Luta contra o desemprego

Para lutar contra o desemprego em massa no país, sua principal batalha, o governo Hollande reduziu encargos das empresas. “Um presente para os empresários”, acusaram líderes da esquerda e sindicatos. Ao mesmo tempo, manteve a significativa alta de imposto de renda que atingiu inclusive a classe média baixa e iniciou o descontentamento do eleitorado.

Essa virada sócio-liberal, defendida pelo então ministro da Economia Emmanuel Macron e pelo primeiro-ministro Manuel Valls, começou a rachar o Partido Socialista, com vários deputados votando contra o governo. Pior, o remédio tardou a surtir efeito. A queda do índice de desemprego havia sido uma condição auto-imposta por Hollande para uma nova candidatura. No entanto, o desemprego continuou a subir até atingir 3,85 milhões de pessoas em 2016, um recorde absoluto. Desde então, a situação melhorou, mas tarde demais para uma sonhada reeleição.

Apesar da resistência dos trabalhadores, ele impôs a reforma flexibilizando a legislação trabalhista, a chamada Lei El Khomri, que por falta de apoio foi adotada por decreto, sem votação no Parlamento, em agosto de 2016. Vários deputados PS chegaram na época a pedir e a votar pela queda do governo. O racha do partido e da esquerda ficava evidente. O presidente Hollande é apontado como responsável por essa divisão e agonia do PS, que culminou com a vergonhosa derrota no primeiro turno das presidenciais quando o candidato Benoît Hamon obteve apenas 6,4% dos votos.

Silvia Capanema, professora de história na Universidade Paris 13 e conselheira departamental de Saint-Denis (equivalente a um deputado estadual no Brasil) pelo Partido Comunista, ficou muito decepcionada com o mandato de Hollande e diz que será necessário reconstruir a esquerda no país: “É preciso reconstruir essa esquerda, pois foi um governo que adotou todas as medidas de austeridade da União Europeia, sem nenhum progresso social, exceto o casamento homossexual, sua única medida progressista. Foi um governo de recuo nas medidas sociais”, enfatiza Capanema.

Legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo

A legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo foi uma das primeiras medidas simbólicas e polêmicas adotadas pelo governo Hollande. O debate do texto no Parlamento começou em janeiro de 2013. Ao mesmo tempo, milhares de pessoas iam às ruas para protestar contra a medida. A lei foi aprovada e promulgada por Hollande em maio de 2013.

Angelina Peralva, socióloga, professora e pesquisadora Universidade de Toulouse, concorda que a legalização do casamento para todos, sem distinção de sexo, é a única medida que “realmente marcou” e que restará do mandato de Hollande. Ela critica também a política liberal do presidente socialista: “Ele iniciou uma política radicalmente liberal que não produziu frutos em termos de criação de trabalho e o próximo presidente está propondo ir mais além na mesma política”, aponta Peralva.

Na opinião do historiador Laurent Vidal, da Universidade de La Rochelle, a legalização do casamento gay foi uma grande reforma que contribuiu, “de uma maneira muito estranha” para revelar a fratura do país: “Não criou, mas revelou uma verdadeira fratura entre uma parte da sociedade maioritária, ainda bem, aberta às novas práticas sociais, às novas maneiras de viver; e uma parte da França, católica, tradicionalista, totalmente fechada a essas possibilidades.”

Escândalos pessoais e sucessos internacionais

A promessa de um "presidente normal" nunca se concretizou. A revelação de sua relação extraconjugal com a atriz Julie Gayet, em janeiro de 2014, veio arranhar ainda mais a imagem de Hollande, que “nunca conseguiu encarnar a função presidencial”, pensa Mathias Alencastro.

Nem mesmo seus sucessos, principalmente na luta contra o terrorismo e na política internacional, o presidente conseguiu reverter positivamente. Sua decisão de intervir militarmente no Mali em janeiro de 2013 para barrar o avanço da Al-Qaeda no Magreb foi unanimemente saudada, assim como a reação de seu governo aos atentados que atingiram a França em 2015 e 2016. Após os ataques de janeiro de 2015, contra o jornal satírico Charlie Hebdo e uma mercearia judaica, ele mobilizou os principais líderes mundiais na “marcha contra o terrorismo”, em 11 de janeiro.

Retirada da nacionalidade

Hollande encarnou com dignidade o povo francês também depois dos atentados de novembro do mesmo ano, contra bares e a casa de shows Bataclan em Paris, quando pediu a unidade nacional. Mas logo na sequência decretou o “estado de emergência”, que foi prolongado várias vezes e continua em vigor, e propôs retirar a nacionalidade de franceses envolvidos em atos terroristas e que tivessem dupla nacionalidade. Essa medida polêmica, que acabou sendo abandonada, comprometeu seu legado nessa área.

Internacionalmente, outros acertos foram o acordo nuclear com o Irã e a assinatura do histórico acordo sobre o clima na COP 21, em dezembro de 2015, em Paris. Mathias Alencastro estima que, devido ao debate sobre a retirada da nacionalidade, “até onde ele acertou, deu errado” e que Hollande, talvez, entrará para a história por ter desistido de disputar um segundo mandato: “talvez, o grande mérito dele terá sido reconhecer seus próprios limites e não ensaiar uma segunda candidatura porque ele teria saído pela porta pequena. Ele foi muito sóbrio nessa decisão”, conclui o cientista político.

Além de ter sido o mais impopular, François Hollande foi o único presidente da 5ª República francesa, fundada em 1958, a não ter sido candidato à reeleição.

Confira em imagens os momentos marcantes da presidência de François Hollande:

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