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Literatura

Apaixonado pelo Brasil, escritor francês Jean d'Ormesson morre aos 92

"Ele era o melhor do espírito francês, uma mistura única de inteligência, elegância e malícia, um príncipe de letras que sabia nunca se levar a sério", escreveu o presidente Emmanuel Macron, no Twitter, sobre a morte do escritor francês Jean d'Ormesson, membro da Academia Francesa, aos 92 anos

O escritor e membro da Academia Francesa Jean D'Ormesson, morre aos 92 anos no dia 5 de dezembro de 2017.
O escritor e membro da Academia Francesa Jean D'Ormesson, morre aos 92 anos no dia 5 de dezembro de 2017. Reuters
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Acadêmico desde 1973, d'Ormesson foi também jornalista. Dirigiu o jornal conservador Le Figaro  de 1974 a 1977 e deixa uma obra de mais de 40 romances e ensaios. Recebeu vários prêmios literários ao longo da vida e, em 2015, recebeu a maior honraria para um escritor francês, a publicação de sua obra completa na prestigiosa coleção de “La Pléiade”, da editora Gallimard.

Filho de diplomata, este homem das letras morou no Rio de Janeiro na sua infância, nos anos 30, e levou por toda a sua vida a paixão pelo Brasil e pelos brasileiros.

Nascido em Paris em 16 de junho de 1925, formou-se em Filosofia, foi secretário-geral da Unesco (1950-1992) e depois presidente do Conselho Internacional de Filosofia e Ciências Humanas.

Paralelamente, desde 1949, D'Ormesson colaborou com vários jornais e revistas, entre eles Paris-Match, Ouest-France e Nice Matin. Também foi diretor da revista Diogène.

Jean d'Ormesson publicou em 1956 seu primeiro romance, "L'Amour est un plaisir" (O Amor é um Prazer). Entre seus principais sucessos editoriais estão "Por capricho de Deus" (1974), adaptado para a televisão, "Dieu, sa vie, son oeuvre (Deus, sua vida, sua obra) (1981) e "Jean qui Grogne y Jean qui Rit" (1984).

Sua carreira literária ganhou impulso em 1971 com o livro "La Gloire de l'Empire" (A Glória do Império), que recebeu o Grande Prêmio da Academia Francesa, para a qual ele entraria dois anos depois, tornando-se, aos 48 anos, o caçula da Academia.

À sua maneira, ele revolucionou a Academia. É ele quem vai lutar para conseguir a primeira mulher na pessoa de Marguerite Yourcenar, eleita em 1980 e que ele dará o discurso de boas-vindas em 1981.

Memórias brasileiras

Em discurso proferido na recepção da Academia Brasileira de Letras (ABL) na Academia Francesa, em 19 de março de 2015, d’Ormesson lembrou com carinho de sua vida no Brasil e sua relação com brasileiros ao longo da vida.

“Vocês chegaram aqui em poucas horas, eu 21 dias para ir ao Rio de Janeiro, em 1936. E lembro-me do deslumbramento que senti quando cheguei naquela baía. É uma das mais belas do mundo, com o Pão de Açúcar, o Cristo, o Corcovado, as inúmeras luzes, foi um encantamento”, disse aos membros da ABL.

“Eu cheguei e as pessoas diziam: o Brasil é grande, 18 vezes a França. Naquela época, o Rio de Janeiro ainda era a capital do Brasil, Brasília não existia. Havia, creio, apenas um arranha-céu no Rio, era a sede do jornal A noite e, claro, havia Copacabana com construções, mas Ipanema estava completamente vazia”, descreve o Rio dos anos 30.

“E às vezes eu viajava para cidades que me pareciam deslumbrantes, como Bahia, Salvador, ou como Ouro Preto ou Diamantina, que são tão bonitas quanto”, recordou.

Ele falou de sua relação com políticos, diplomatas e escritores brasileiros, com destaque para Jorge Amado, a quem ele descreveu como “caloroso, amigável, comunista e maravilhoso”.

“Os livros de Amado obviamente contaram muito na minha vida. Lembro-me, claro, de 'Bahia de Todos os Santos', o admirável 'Capitães da Areia', 'Dona Flor e seus Dois Maridos', 'Gabriela, cravo e canela' e tantos outros. Amado é, obviamente, parte da herança, não só do Brasil, não só da França, mas da humanidade, e marcou a literatura do Nordeste que é tão importante, tão magnífica, e que muitos de vocês ainda representam hoje”, elogiou.

Falou do prazer que sentiu ao ler “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freyre e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, “É o Anatole France de vocês. É um livro inesquecível”, comentou, citando também figuras como Austrogésilo de Athayde, Paulo Peredo Carneiro e o embaixador brasileiro em Paris Souza Rotas, entre outros.

Saudado por direitistas e esquerdistas

O ex-presidente François Hollande, que deu a Jean d'Ormesson a insígnia da Grande Cruz da Legião de Honra, lembrou-se de um homem que "procurou seduzir a esquerda com sua cultura, seu espírito e sua sutileza ".   

Pensador de direita por mais de meio século, Jean d'Ormesson conheceu todos os presidentes da Quinta República, mas foi com François Mitterrand, ainda "um adversário", que suas relações foram as mais surpreendentes.    

No topo do seu panteão pessoal, estava o general de Gaulle, a quem o filho de diplomata desde a sua juventude dedicou uma admiração profunda. Mas ele só começa a tocar na política quando toma as rédeas do Le Figaro, em 1974, algumas semanas antes da morte de Georges Pompidou, de quem era íntimo.

O jornal, em seguida, apoia Valéry Giscard d'Estaing, que o escritor conhecia desde a infância e julgava "deslumbrante". Com François Mitterrand, que ganhou a eleição contra Giscard d'Estaing, suas relações são inicialmente muito mais difíceis.

No entanto, um diálogo estranho acontecerá entre o escritor de direita e o primeiro presidente de esquerda da Quinta República.  

Em maio de 1981, ele dedica um artigo virulento à primeira página de Le Figaro. Mitterrand, apenas eleito, lamenta, em resposta "que um escritor tão bom fosse tão estúpido politicamente".

"Eu escrevi algumas palavras para agradecer por sua indulgência, a máquina foi lançada", relata Jean d'Ormesson.    

Literatura acima da política

É com a crença compartilhada de que a literatura está "muito acima da política" que a relação entre os dois prosperará. Ele será regularmente convidado para o Eliseu durante os dois septênios de Mitterrand (1981-1995).

Considerado brilhante e pernicioso, voluntariamente sedutor por trás de seus olhos azuis maliciosos, o ex-diretor-geral do Le Figaro era um homem resolutamente de direita, mas também um amante louco pelo trabalho do poeta e  comunista Louis Aragon.

"Jean d'O", como ele foi carinhosamente apelidado, permanecerá principalmente como um dos maiores escritores populares franceses. Todos os seus livros estavam nas listas de best-sellers.   

Entre os primeiros a reagir a sua morte, o ex-ministro da Cultura François Mitterrand, Jack Lang elogiou "uma das pessoas que, apesar da idade, manteve-se animada, elegante, combativa, continuou a escrever, a ser ".    

Para Frédéric Mitterrand, outro ex-ministro da Cultura, "é parte da literatura francesa que desaparece".

Jean D'Ormesson faleceu após uma crise cardíaca em sua residência de Neuilly-sur-Seine, subúrbio de París.

"Sempre disse que iria sem ter falado tudo e isso aconteceu hoje. Nos deixa livros maravilhosos", afirmou sua filha, a editora de livros Héloïse d'Ormesson.

"O tempo virá muito rápido quando eu me encontrar diante de Deus", escreveu aquele que, agnóstico, confessou não saber se Deus existe, antes de acrescentar: "Eu acredito em Deus porque espero que ele exista".

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