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Literatura

Editora francesa vai relançar textos antissemitas de Céline

Como reagir quando uma das editoras mais importantes da França decide relançar os panfletos racistas e antissemitas de um dos mais consagrados escritores do século 20? Essa é a questão que agitou os cadernos de Cultura da imprensa francesa esta semana.

Louis-Ferdinand Céline: preso por colaboracionismo após a guerra, morto em 1961.
Louis-Ferdinand Céline: preso por colaboracionismo após a guerra, morto em 1961. DR
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A notícia caiu como uma bomba no gabinete de Frédéric Potier, chefe da delegação interministerial que luta contra o racismo, o antissemitismo e o ódio aos LGBT. A Gallimard, uma das maiores editoras da França, está se preparando para publicar, em um só volume, os três panfletos mais antissemitas de Louis-Ferdinand Céline.

Convocado com urgência ao gabinete de Potier, o presidente da Gallimard, o próprio Antoine Gallimard, não titubeou: os textos de Céline serão relançados na França, em 2018, ainda que a data precisa não esteja confirmada.

O gênio maldito

Céline, um dos maiores escritores franceses do século 20, detestava declaradamente todo e qualquer judeu. Celebrado pelo clássico Viagem ao fim da noite, de 1932, o autor escreveu, em seguida, três panfletos abertamente antissemitas: Bagatelles pour un massacre (1937), L'École des cadavres, (1938) e Les Beaux Draps (1941).

Notório colaborador do regime nazista, que ocupou a França durante a Segunda Guerra Mundial, Céline fugiu com a chegada dos Aliados, mas, na volta ao país, chegou a cumprir um ano de prisão por colaboracionismo.

Ainda que seus textos antissemitas jamais tenham sido proibidos na França do pós-guerra, sua reedição havia sido impedida até agora pela própria vontade do autor, morto em 1961, respeitada pela sua viúva, hoje com 105 anos.

Contudo, depois de um relançamento dos textos em Quebec, no Canadá, onde o trabalho de Céline caiu em domínio público em 2011, a editora Gallimard convenceu a viúva, através de seus representantes legais, que valeria a pena lançar na França a edição canadense, apoiada num trabalho de contextualização histórica.

Contextualização que deixa a desejar

Entre os intelectuais e historiadores que repudiam o projeto da Gallimard, a opinião é quase unânime: um tal relançamento só seria possível com uma contextualização muito apurada, trabalhada por uma equipe de historiadores, como sugeriu o próprio governo de Emmanuel Macron através de Frédéric Potier.

A edição canadense, segundo seus críticos, peca pela abordagem superficial, que ocupa 230 páginas de notas, num volume total de 1044 páginas, quando, ainda segundo os críticos, deveria apresentar, pelo menos, 50% de contextualização histórica.

Reação na Justiça

O presidente da Associação de Filhos e Filhas dos Deportados Judeus da França, Serge Klarsfeld, já avisou que entrará na Justiça contra a Gallimard, se o projeto for adiante.

Seu repúdio tem o apoio de deputados da Assembleia Nacional e historiadores que também não veem com bons olhos o lançamento da coleção de textos.

“Não se trata de escolher entre a liberdade de publicação e a censura”, se justifica o historiador André Loez. “Entre uma coisa e outra há várias etapas intermediárias. Uma delas é o esquecimento”, sugere.

Tapando o sol com a peneira

Agora, independentemente da ausência de novas edições, os textos antissemitas de Céline são facilmente encontrados na internet ou em edições piratas na França.

Em 2032, a obra completa de Céline entrará no domínio público francês, sendo relançada, com certeza, em edições de bolso, de baixo custo, sem maiores preâmbulos do que um simples “a opinião do autor não reflete aquela da editora”.

Por isso, mais do que nunca, como pedem os historiadores, talvez Céline precise ser reeditado, na íntegra, com o apoio de uma contextualização séria, que sirva de contraponto às edições oportunistas e superficiais que poderão influenciar muita gente.

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