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Um pulo em Paris

Aborto legal e gratuito superou barreiras religiosas na França

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O aborto é praticado legalmente na França há 43 anos. As mulheres francesas conquistaram este direito pelas mãos de Simone Veil, advogada de formação, que teve uma longa carreira política nas instituições francesas. Segundo estatísticas oficiais, cerca de 200 mil abortos são praticados em média por ano na França, um número estável há vários anos.

O Planejamento Familiar francês realiza campanhas em locais frequentados por jovens, como eventos esportivos e festivais de música, para levar informações sobre contracepção e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.
O Planejamento Familiar francês realiza campanhas em locais frequentados por jovens, como eventos esportivos e festivais de música, para levar informações sobre contracepção e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Facebook.com/ConfederationPlanningFamilial
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Simone Veil foi uma sobrevivente dos campos de concentração nazistas que um dia se tornou Ministra da Saúde. Em 1975, ela enfrentou um debate histórico no Parlamento francês e obteve a legalização do aborto. Ela morreu no ano passado, aos 89 anos, e neste domingo, 1° de julho, suas cinzas serão transferidas para o Panthéon, o monumento onde estão sepultadas pessoas ilustres que marcaram a história da França.

A lei Veil (17 de janeiro de 1975) fixa o prazo máximo de 12 semanas de gestação – 14 semanas se a contagem for feita a partir do primeiro dia da última menstruação da mulher. O procedimento é acessível tanto para mulheres maiores quanto menores de idade. Em caso de gravidez de risco para a vida da mãe ou se o feto é diagnosticado com uma doença grave e incurável, o aborto por razões médicas pode ser praticado a qualquer momento até o fim da gestação.

No caso das adolescentes, elas devem ser acompanhadas por um adulto maior de referência, mas não precisa ser da família. As adolescentes podem contar com o apoio da enfermeira escolar, que às vezes faz este papel, uma assistente social ou psicóloga da rede escolar ou um amigo (a) maior de 21 anos.

O anonimato é garantido. A única preocupação das autoridades da saúde é que o procedimento aconteça em condições sanitárias adequadas. Não há julgamento moral, tampouco banalização. Os profissionais envolvidos amparam a mulher, há uma rede de acompanhamento que sabe como proteger e cuidar das pessoas que se veem diante dessa escolha. Em nenhuma circunstância, o aborto é uma situação agradável para a mulher.

Assistência médica

Na França, o protocolo médico obriga a mulher a passar por duas consultas prévias ao aborto. A paciente pode consultar um médico ou uma parteira, nos dois casos de livre escolha da pessoa. Ela também pode se dirigir a um centro de planejamento familiar.

Na primeira consulta, a mulher recebe informações sobre os métodos abortivos, riscos e efeitos colaterais. Esses profissionais sempre oferecem uma consulta com uma assistente social, obrigatória para menores de idade e opcional para as mulheres maiores.

Na segunda consulta, ela decide em parceria com o profissional da saúde o método de intervenção, que vai depender do tempo de gravidez. Até a 7ª semana da gestação, existe a possibilidade de aborto induzido por medicamentos, por meio da pílula abortiva. Esgotado esse prazo, até a 12ª semana de gestação só resta o método instrumental por sucção, com anestesia.

Depois da segunda consulta, existe um prazo de 48 horas de reflexão. Mas a mulher já sai do consultório com o documento de consentimento assinado e tendo visto a disponibilidade de horários nos centros que praticam o aborto próximos de seu local de moradia. O processo é rápido, para a mulher abortar com segurança e não perder os prazos.

Procedimento é praticado em hospitais públicos e particulares

O aborto é praticado em determinados hospitais da rede pública, onde há serviço de ginecologia e obstetrícia, mas também em hospitais e clínicas particulares conveniadas com a Seguridade Social, o equivalente ao SUS.

De qualquer forma, o aborto é gratuito para a mulher, as despesas são inteiramente assumidas pelo Estado. Segundo o Instituto Nacional de Estudos Demográficos (Ined), em 2015 foram realizados 203.463 abortos no país, uma média que se mantém estável.

Número de atendimento gratuito

Um número de telefone gratuito e um site especializado do Ministério da Saúde francês oferecem todas as explicações médicas, jurídicas, de ordem social e psicológica sobre o aborto. O anonimato é garantido nas ligações telefônicas. Além disso, um guia de 40 páginas, que pode ser impresso pela internet, contém todos os detalhes e questões que podem angustiar as mulheres diante de uma tal decisão.

A primeira frase do guia é: “O direito ao aborto é uma conquista maior das mulheres, que exigiu uma longa luta para que elas pudessem dispor de seus corpos”.

Barreira da religião superada

A França é um país de tradição católica. Os franceses superaram a questão religiosa para legalizar o aborto com muito debate, com a determinação ferrenha de Simone Veil e dos movimentos feministas.

Os bispos franceses sempre protestaram contra o aborto, mas a França é uma república laica, que leva uma vida política separada da Igreja. O movimento católico ultraconservador, que organizou centenas de manifestações contra a legalização do casamento gay, tenta com frequência reverter a legislação, mas também existem católicos franceses progressistas.

Cerca de 53% de franceses se declaram católicos, mas só 23% são realmente praticantes, segundo um estudo publicado pelo jornal La Croix em 2016. As Igrejas Evangélicas estão crescendo no país, mas representam um fenômeno marginal em comparação ao Brasil.

O aborto foi criminalizado durante muito tempo, punido com trabalho forçado perpétuo e até pena de morte. Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1943, a francesa Marie-Louise Giraud, que ajudava mulheres a abortarem, foi guilhotinada.

Em 1966, o juramento de Hipócrates, efetuado pelos médicos, foi revisto e excluíram o trecho que proibia o aborto. Na sequência da revolução de Maio de 1968, a partir do início dos anos 1970, os movimentos feministas reivindicaram esse direito com ênfase, alegando três argumentos: o acesso à contracepção era insuficiente; o direito ao aborto era o direito de dispor do corpo (contra a indisponibilidade do corpo humano); e o aborto clandestino ocorria em condições sanitárias mais do que preocupantes.

A pedido do ex-presidente Valéry Giscard d'Estaing, a ministra Simone Veil enfrentou o tabu social e um Parlamento dominado por homens, conquistando esse avanço para as francesas.

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