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Anistia Internacional denuncia “cultura da impunidade” em investigações de violência policial na França

As manifestações dos “coletes amarelos” têm levantado um grande debate na França em relação à violência policial durante protestos. No domingo (27), uma das figuras importantes da mobilização, Jérôme Rodrigues, teve um olho ferido pelo que ele afirma ser uma bala de borracha. Nessa terça-feira (29), a Assembleia deverá debater a proposta da lei “anticasseurs” (“antivândalos”), acirrando a vigilância nas manifestações. A RFI conversou com dois especialistas que defendem, cada um, um ponto de vista na queda de braço entre governo e manifestantes.

Jerome Rodrigues, uma das figuras do movimento "coletes amarelos", durante uma coletiva de imprensa no hospital Cochin em Paris, em 27 de janeiro de 2019.
Jerome Rodrigues, uma das figuras do movimento "coletes amarelos", durante uma coletiva de imprensa no hospital Cochin em Paris, em 27 de janeiro de 2019. CHRISTOPHE ARCHAMBAULT / AFP
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Com informações de Raphael Moran e Florent Guignard

Para Nicolas Krameyer, da Anistia Internacional, existe uma constatação do “uso desproporcional” da força pelos policiais, com utilização frequente e desenfreada do Lanceur de Balle de Défense (“Lançador de Balas de Defesa”, em português), conhecido como LBD 40. O dispositivo giratório, acionado automaticamente, é capaz de fazer vários disparos de uma só vez. “Pudemos constatar vários tiros visando a cabeça e, segundo nossas fontes, 18 pessoas perderam a visão de um olho”, afirma.

Além disso, a França é um dos únicos países europeus a continuar usando granadas contra manifestantes. “Há dois anos, a Anistia Internacional já pediu que as forças policiais parem de utilizá-las, já que elas podem mutilar gravemente as pessoas. Sobretudo porque essas granadas não são capazes de visar o ‘alvo’ e há o risco de que cidadãos aleatórios sejam feridos. Para a Anistia Internacional, é uma arma desproporcional em relação à manutenção da ordem nas ruas.”

De acordo com Krameyer, o LBD 40 e seus derivados são armas que podem ferir e, portanto, não podem ser utilizadas excetuando casos de legítima defesa de si mesmo ou de outros. “Sob nenhuma hipótese elas podem ser usadas contra pessoas que [somente] provocam degradações [do patrimônio público], porque a força dessa arma é completamente desproporcional ao uso que os policiais fazem dela”, argumenta.

“Também pedimos que os policiais que utilizam essa arma tenham uma formação apropriada. Há várias semanas, seu uso tem sido feito ignorando as regras de base, com rostos sendo visados e tiros a menos de dez metros da pessoa. Portanto, o que pedimos é um uso somente em caso de legítima defesa”, ressalta Krameyer. Poucos países da UE usam granadas contra manifestantes, de acordo com o membro da Anistia Internacional. Além disso, a França também é um dos raros Estados a usar balas de borracha, junto com a Espanha e a Polônia.

“Constatamos que o nível de conflito nos outros países [que não usam esse tipo de armas] não é maior. O uso excessivo da força tem como consequência aumentar os confrontos, ao contrário de reduzi-los. Há outras maneiras de fazer a manutenção da ordem sem passar por armas que podem ferir”, argumenta Krameyer. “Apesar de todas as denúncias e de todos os feridos, o governo não toma nenhuma medida e permanece num estado de negação total. Há uma cultura da impunidade na França, favorecida pelas autoridades francesas”, conclui.  

“Ministério do Interior faz seu trabalho”

Do outro lado da história, Etienne Durand, especialista em segurança pública e ex-funcionário da Inspeção Geral da Polícia Nacional, órgão responsável por investigar os policiais, afirma que o governo está em seu direito tendo em vista a magnitude das violências das últimas semanas no país. “Nunca vimos uma manifestação como essa”, diz.

Ele lembra que os dados de 2.000 feridos entre os manifestantes devem ser contrastados com as informações de 1.000 lesionados entre a polícia. “Na prática, os policiais permanecem imóveis, até que sejam atacados. Mas houve uma mudança nas últimas semanas, em reação aos eventos ocorridos no dia 1° de dezembro na avenida Champs Elysées”, explica Durand.

Segundo ele, a polêmica arma de defesa LBD 40 substituiu o antigo “flash ball”, que era menos preciso. Quanto à regra de atirar apenas na região do torso, Durand relativiza lembrando o contexto difícil das manifestações. “A legislação pode ser respeitada, mas em razão da grande mobilização, das nuvens de gás lacrimogêneo e do nível de estresse, infelizmente, alguns tiros ferem gravemente certas pessoas.”

Etienne Durand ressalta que será preciso aguardar o fim das investigações quanto ao caso de Jérôme Rodrigues, "colete amarelo" atingido no olho, para avaliar se o ferimento foi fruto de uma LBD 40 ou de vestígios de uma granada que explodiu no chão. Por fim, ele afirma acreditar que, diante de manifestantes que “só querem atacar os policiais”, o ministro do Interior, Christophe Castaner, “está em seu direito ao defender as forças de ordem”.

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