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Exposição do Museu d’Orsay aborda presença de modelos negros na história da arte

Quem são os modelos negros que inspiraram os grandes pintores clássicos e como eles eram representados pelos artistas? Para responder a essas questões, o Museu d’Orsay, em Paris, preparou uma exposição com cerca de 300 obras retratando corpos da África e das Antilhas que fizeram parte da história da arte na França. A RFI conversou com Isolde Pludermarche, conservadora-chefe de pinturas da instituição, e Cécile Debray, diretora do Museu de l’Orangerie, que ressaltaram o valor de registro histórico das peças expostas.

Fotografia de obra de Jean-Léon Gérôme (1824-1904)
Fotografia de obra de Jean-Léon Gérôme (1824-1904) © Photo courtoisie Galerie Jean-François Heim - Bâle
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Com informações de Jean-François Cadet

“O corpo negro, de Géricault a Matisse” é o título da exposição, que conta com pinturas, fotos, gravuras, esculturas, cartazes e diversos outros documentos. “É a primeira grande exposição em um museu de belas-artes na França dedicado a esse assunto. O que é interessante é que, se fizermos uma pesquisa sobre a presença dos negros no século XIX, os arquivos permanecem ‘mudos’ já que, a partir da instauração da República, não existe um registro baseado em critérios étnicos ou raciais”, afirma Isolde Pludermarche, uma das comissárias da exibição.

Como os documentos oficiais após a Revolução Francesa deixavam de lado a questão racial, as obras de arte acabaram se tornando os únicos traços capazes de contar a história dos negros no país. “As representações artísticas são, quase sempre, o único meio de visibilizar a presença negra e têm um valor de testemunho histórico incomparável”, continua Pludermarche. Para contextualizar as obras e entender o olhar dos artistas, os curadores se basearam em publicações e na literatura da época.

Viagem pela história da presença negra na França

A exposição é dividida em vários períodos da história e tem início em 1794, data do primeiro decreto de abolição da escravidão na França, que resulta na atribuição da nacionalidade francesa a vários ex-escravos. “Há uma ruptura, mas que não é definitiva, já que, em 1802, Napoleão Bonaparte reestabelece a escravatura”, explica Cécile Debray. A liberdade definitiva chega somente em 1848.

A primeira peça vista pelo público é a de uma figura feminina, de seios nus, pintada por Marie-Guillemine Benoist. “É um retrato magnífico e estamos felizes de termos obtido esse empréstimo do Louvre, importante por diversas razões”, detalha Isolde Pludermacher. “Hoje, ele tem três títulos. O original, ‘Retrato de uma Negra’ [na França, o termo ‘negro’ é considerado uma ofensa e deixou de ser usado], o segundo, dado pelo Louvre há alguns anos, ‘Retrato de uma mulher negra’ e um mais recente, que criamos para essa exposição, ‘Retrato de uma Madeleine’”.

O novo nome do quadro faz menção à real identidade da modelo, descoberta após muita pesquisa. Toda a exposição, de acordo com Pludermacher, é fruto de uma investigação sobre quem foram as pessoas pintados pelos artistas. “É uma das missões da mostra: dar novos títulos às obras.”

Discussão racial cresce na França

A exposição não ocorre num momento qualquer para a França – nos últimos anos, a discussão racial ganhou outras cores, com novas perspectivas e com a tomada de discurso das próprias pessoas negras na produção de saberes e de narrativas. Em 2018, por exemplo, a diretora Amandine Gay atualizou o debate com seu documentário “Ouvrir la Voix” (“Dar Voz”, em tradução livre), que colocou várias mulheres pretas diante de sua câmera para falar sobre suas vidas.

Também no ano passado, um coletivo de artistas lançou um livro-manifesto exigindo uma “descolonização” da cena cultural. “Quando falamos em descolonizar as artes, estamos falando de dois objetivos: o primeiro é questionar o meio artístico francês e chamar atenção para o fato de que há poucos artistas descendentes de imigrantes nos palcos dos teatros, dos espetáculos de dança, no cinema ou nas artes plásticas. É, portanto, uma questão de presença e de visibilidade”, disse, à época, Karima el Kharraze, filha de marroquinos, cenógrafa e uma das fundadoras do coletivo.

Recentemente, a França também se viu no centro do debate da apropriação de artefatos de suas colônias africanas, que hoje são expostos nas instituições artísticas do país, como o Quai Branly. Um relatório, escrito no final de 2018 por dois especialistas, exigiu que o presidente Emmanuel Macron devolvesse as obras aos respectivos países.

A exposição “O corpo negro, de Géricault a Matisse” vai até o dia 21 de julho de 2019 no Museu d’Orsay.

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