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Brasil/ Rio+20

Apesar de dificuldades, especialista está otimista com conferência

Se para muitos é difícil ver evolução da humanidade no combate à degradação dos meio ambiente nos últimos anos, o físico Paulo Artaxo, especialista em questões ambientais da USP, traz um olhar otimista sobre o futuro das negociações climáticas. Participante do IPCC, o painel da ONU sobre mudanças climáticas, o cientista brasileiro avalia que a Rio 92 iniciou um processo de conscientização e ação que não tem mais volta.

No Brasil, desmatamento diminuiu drasticamente nos últimos sete anos.
No Brasil, desmatamento diminuiu drasticamente nos últimos sete anos. REUTERS/U.S. Forest Servic/Handout
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Membro titular da Academia Brasileira de Ciências e com pós-doutorados na NASA e em Harvard, Paulo Artaxo ressalta que a mudança de comportamentos e políticas que levem a preservação do meio ambiente em consideração ainda vai levar décadas, mas não pode mais ser contornada nem pelos países mais poluidores do planeta, nem pelos mais pobres. O especialista ainda diz que a implantação eficaz de uma economia verde – conceito que, admite, permanece vago – vai depender da melhora das condições de vida nos países menos desenvolvidos.

A Rio+20 não tem caráter de decisões sobre as questões de meio ambiente, mas sim de debates. Podemos encará-la como mais uma etapa na tomada de consciência sobre desafios como o desenvolvimento sustentável?
A conferência Rio+20 não é uma conferência climática. As questões do clima, no âmbito da ONU, são tratadas nas conferências das partes, as COPs. Logo, decidir não é o foco, mas há questões de fundo que serão discutidas, como a estruturação de uma economia verde e de todas as questões que estão ligadas ao uso dos recursos naturais do nosso planeta.

Você acha que teria sido uma boa ideia fazer a a próxima cúpula da ONU, a COP18, no Rio de Janeiro? Uma espécie de COP 18-Rio+20?
Acho que não, porque são aspectos diferentes a ser tratados. A Rio+20 é muito mais ampla do que as conferências das partes. A Rio+20 vai tratar também da questão da sustentabilidade econômica do nosso planeta, que depois dessas crises econômicas na Europa, nos Estados Unidos, obviamente se tornou uma questão global, porque afeta a economia de todos os países. Estes aspectos não são tratados nas COPs.

As potências mundicais colocam há muitos anos os interesses econômicos acima dos ambientais. Você vê algum sinal de mudança nesta postura, para que avanços mais concretos sejam atingidos?
É muito difícil de você falar em mudanças econômicas associadas às questões ambientais no meio de uma grave crise econômica como a da Europa e dos Estados Unidos, além das dificuldades econômicas de muitos outros países. Isso não é uma questão simples de ser tratada porque envolve os interesses socio-políticos de praticamente todos os países que fazem parte da ONU. Mas a questão ambiental e da redução da emissão de gases de efeito estufa está na agenda de praticamente todos os países, inclusive o Brasil, a União Europeia, China, Japão. O que nós estamos vendo é uma incorporação das questões ambientais nas agendas econômicas, o que vai demorar muitos anos, senão algumas décadas, para se concretizar de uma maneira efetiva.

Este é o principal legado da Rio 92 até hoje?
Sem dúvida nenhuma, a Rio 92 teve um papel extremamente importante de catalizar toda a questão ambiental e inseri-la no debate socio-econômico e político global – não apenas pela adoção do Protocolo de Kyoto, que foi lançado nas negociações da Rio 92, como também uma série de iniciativas que forçaram os países a estruturar políticas de redução de emissões de gases de efeito estufa. A China, por exemplo, implementou enormes programas de energias renováveis, como solar e eólica. Todos estes processos tiveram início na Rio 92 e vão ser um polo de discussão central da Rio+20.

Mesmo assim, desde 92, temos a sensação não apenas de que as soluções dos problemas ambientais, como o aquecimento global, estão longe de acontecer, como a situação piorou.
Seria ingenuidade imaginarmos que seria fácil estruturar programas de redução de emissões de gases de efeito estufa, que incluem a diminuição da queima de petróleo. Isso não pode ser feito a curto prazo: isso é um processo que vai demandar décadas de evolução, de reestruturação das políticas de energia da maior parte dos país. Isso é uma tarefa hercúlea, mas eu acho que, em maior ou em menor grau, já estamos indo nesta direção. É verdade que as mudanças de paradigmas estão lentas demais, já que o aquecimento global já está ocorrendo. A frequêcia de eventos climáticos extremos, como enchentes e inundações, está efetivamente aumentando, e portanto a humanidade precisa agir rápido.

Que peso você dá ao fato de tantos líderes mundiais, como o presidente Barack Obama ou a chanceler alemã Angela Merkel, não irem à Rio+20?
Eu acho que o foco deve ser o inverso: não é a ausência de alguns líderes que é o ponto mais marcante, mas sim a presença de 102 chefes de Estado em uma reunião para rediscutir todo um novo reordenamento político, econômico e ambiental do nosso planeta. É muito positivo que 102 chefes de Estado e de Governo venham discutir, e também seria ingenuidade imaginar que todos os governantes viriam.

Mas desde Copenhague não verificamos mais a mesma mobilização mundial pelo meio ambiente.
O que é mais importante não é o número. Se são 102 ou 130, isso é irrelevante. O que é importante é uma mobilização da maior parte dos países da ONU, todos procurando saídas e soluções para estes problemas que são comuns para todos.

Um dos pontos específicos da Rio+20 é tratar sobre os diferentes aspectos do desenvolvimento sustentável e da chamada economia verde. Na sua opinião, estes objetivos passam pelo desenvolvimento social dos países que ainda não atingiram um nível aceitável de progresso?
Sem dúvida alguma, a implementação do que chamamos de economia verde – que diga-se de passagem, ninguém sabe exatamente o que é -, passa por garantir um mínimo de conforto econômico, social e alimentar dos países em desenvolvimento. Falar de economia verde em um continente como a África, onde milhares de pessoas morrem de fome todo o ano, é muito difícil. Portanto a questão da economia verde também passa por uma melhor distribuição de riquezas e um uso mais racional dos recursos naturais. Não se tratam só de questões econômicas, mas se tratam também, e principalmente, de questões sociais.

O Brasil se encontra no meio do caminho entre os países em desenvolvimento e os ricos, e o seu desenvolvimento pressupõe mais danos ao meio ambiente. Como você avalia a postura do Brasil nas discussões?
Dentre os países da ONU, o Brasil foi o que implementou as políticas mais fortes de redução de emissões de gases de efeito estufa nos últimos 10 anos. O Brasil reduziu o desmatamento de 72 mil quilômetros quadrados, em 2005, para 6,2 mil quilômetros quadrados, em 2010. É uma redução extremamente significativa. O Brasil teve muito sucesso e é um exemplo para a maior parte dos países, mostrando que você pode reduzir as emissões sem comprometer o seu crescimento econômico. Além disso, o Brasil também está investindo em energia eólica, no nordeste, e em energia solar. Porém, como todos os países, o Brasil também tem as suas contradições. A discussão do Código Florestal é uma delas. Mas ainda assim, isso faz parte da democracia: os ruralistas defendem os seus interesses sem se preocupar muito com o destino da nação como um todo. Ainda bem que a presidência da República vetou os principais pontos em que o Brasil teria prejuízos ambientais significativos.

E em relação à tomada de consciência da população brasileira sobre as questões ambientais? Exemplos como a resistência em acabar com as sacolas plásticas nos supermercados mostram que ainda há um longo caminho a percorrer?
Eu diria que o brasileiro não apenas está pronto como está fazendo acontecer. Isso é um processo que desde a Rio 92 está evoluindo. A população da cidade de São Paulo, por exemplo, faz pressão por uma limpeza definitiva do rio Tietê, pela redução de emissões, a instalação de corredores de ônibus, e até pela diminuição das sacolas plásticas. É um processo em curso. Todo o processo que contraria interesses de determinados setores da sociedade gera conflitos.
 

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