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O Mundo Agora

Eleições livres não garantem democracia no mundo árabe-diz analista

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"Eleições livres não bastam para ter uma democracia. Obviamente, sem elas não há sistema democrático possível. Mas é só olhar para o que está acontecendo no Egito, na Tunísia, ou no Iraque, para chegar a conclusão de que voto não garante uma nação democrática. O problema central de todas essas transições da ditadura a um sistema político competitivo e aberto, é que as diversas facções que emergem dos “anos de chumbo” se revelam profundamente intolerantes. Os Irmãos Muçulmanos egípcios ganharam as eleições da maneira mais regular possível. Mas quando tomaram o poder, com uma maioria de votos ínfima, acharam que tinham todo o direito – e a legitimidade necessária – para ocupar todos os cargos da administração pública e impor o próprio programa ao país inteiro. Antes de ser destituído pelo Exército, o presidente Mohamed Morsi havia demonstrado que achava uma perda de tempo ter que conversar, e ainda menos negociar, com as outras forças políticas do pais. Na verdade Morsi e os “Irmãos” utilizaram a legitimidade democrática do voto para tentar implantar um governo anti-democrático. Como se ganhar uma eleição desse o direito de virar um autocrata ignorando qualquer tipo de oposição.Essa doença de usar a democracia para acabar com a democracia não é só egípcia. O Iraque está de novo entrando num sangrento ciclo de violência pela mesma razão. Depois da guerra civil que seguiu a invasão americana e a queda de Saddam Hussein, eleições livres levaram ao poder o partido xiita do Ali El-Maliki. Mas o novo presidente fez tudo para alijar do poder e até perseguir as forças políticas sunitas. Como se tivesse de tirar a desforra de décadas de poder sunita ditatorial. Resultado: carros-bomba explodem nos bairros xiitas matando dezenas de pessoas por dia. O Iraque está à beira de se transformar numa nova Síria. Na pequena Tunísia ainda há alguma esperança, apesar dos assassinatos de duas personalidades laicas de esquerda nos últimos seis meses. Em Túnis, o partido islamista Enhada, vencedor das eleições, foi mais safo. Desde o início ele fez questão de consultar outros movimentos, aliados ou até de oposição, e de integrá-los no governo. Mas nesse caso, a intransigência veio dos laicos. Uma parte da sociedade tunisiana, ocidentalizada e moderna, não aceita em nenhuma hipótese que os islamistas possam exercer o poder, mesmo ganhando as eleições.Mas apesar da extrema tensão interna, até agora não houve nenhuma tentativa séria de golpe. Mas é claro que muitos movimentos laicos e países na região, que têm medo da “primavera árabe”, estão jogando lenha na fogueira para que a Tunísia siga o mesmo caminho que o Egito.  As eleições do último final de semana no Mali, mostram que as populações sempre se mobilizam para votar depois de um período de caos ou de ditadura. Todo mundo tem esperança de que políticos eleitos pelo povo vão melhorar as coisas e garantir as liberdades públicas. O porém, é que não pode haver democracia sem imprensa pluralista, justiça independente do poder, transparência da gestão governamental. E mais importante ainda: tem que haver respeito do direito das oposições de se expressarem e até terem uma influência, nem que seja minoritária, nas decisões do governo. Para isto é preciso que existam instrumentos legais e institucionais para que isso aconteça, mas sobretudo que os próprios políticos de um lado como do outro tenham uma verdadeira cultura do diálogo e do respeito.O problema não é só nos países árabes e muçulmanos. A América Latina ainda não mergulhou em horríveis tragédias como no Oriente Médio, mas não há dúvida de que a democracia, reconquistada à duras penas nas últimas décadas, está sendo ameaçada pelo autoritarismo evidente de alguns governantes e partidos no poder. A Venezuela é um caso típico. O chavismo, e agora o incipiente “madurismo”, utiliza as suas vitórias eleitorais para passar com um rolo compressor por cima da oposição e das próprias instituições , dividindo o pais em dois e criando todas as condições para uma terrível crise futura. Com matizes diferentes, o governo equatoriano, argentino ou nicaragüense também acham que ganhar eleições lhes dá direito a tudo, inclusive tentar calar e marginalizar qualquer tipo de opositores. Essa mentalidade do “para os amigos tudo, para os inimigos nada, para os indiferentes a lei” é a melhor maneira de acabar com qualquer possibilidade de se criar um regime democrático sustentável e que respeite a diversidade – o que é a própria definição da democracia. Eleição é só um primeiro passo. Sem tolerância, diálogo de boa fé, instituições idôneas, e aceitação das alternâncias no poder, a democracia pode virar rapidamente uma “democratura”. E aí a violência e o terror tornam-se inevitáveis."Clique acima para ouvir a crônica de política internacional de Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris. 

Protesto noturno diante da sede da Assembleia Nacional Constituinte na Tunísia.
Protesto noturno diante da sede da Assembleia Nacional Constituinte na Tunísia. REUTERS/Anis Mili
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