A prisão de manifestantes suspeitos de planejarem protestos violentos no último dia da Copa do Mundo no Brasil fere o direito internacional, na opinião de especialistas. A Federação Internacional das Ligas dos Direitos Humanos, uma das principais organizações do mundo de defesa dos direitos fundamentais, observa que o papel das autoridades não é prender organizadores de manifestações, mas sim garantir que a violência não “contamine” os atos.
Em decorrência de ações preventivas para evitar tumultos durante o Mundial, duas pessoas suspeitas de cometerem atos de violência continuam presas em São Paulo e cinco no Rio de Janeiro, inclusive Elisa Zanzi, a Sininho, apontada como a articuladora do grupo. No Rio, 18 ativistas são considerados foragidos.
A FIDH, com sede em Paris, destaca que o direito à manifestação é reconhecido pelo artigo 20 da Declaração Internacional de Direitos Humanos. As restrições aos protestos são previstas quando existem elementos que indiquem uma grave ameaça à ordem pública, mas esses casos são raros, destaca Antoine Madelin, porta-voz internacional da federação.
“O direito internacional não prevê a restrição das liberdades em manifestação. O que existe é a proibição da autorização de uma manifestação, que não tem como consequência a privação da liberdade de ir e vir ou o risco de ser preso”, argumenta. “Eu acho que é preciso haver muito mais razões para que uma pessoa seja detida. É preciso que ela seja uma verdadeira ameaça à ordem pública, um verdadeiro perigo. Se a pessoa apenas convoca uma manifestação, isso não constitui uma verdadeira razão para uma prisão.”
Polêmica na França
Como no Brasil, a polêmica sobre o cerceamento do direito de manifestar também acontece neste momento na França, onde dois protestos a favor dos palestinos foram proibidos pelas autoridades francesas. A Liga Francesa de Direitos Humanos condena a medida e afirma que a proibição acaba incitando à violência. Pierre Tartakowsky, presidente da entidade, lembra que, na França, a prisão de manifestantes antes da realização dos atos só ocorreu em relação ao grupo extremista basco ETA.
“A França não tem o costume de fazer prisões preventivas, mas já fez, raramente, em casos de manifestações. Ela já cerceou, de maneira preventiva, redes separatistas bascas, ou seja, um meio no qual a ação política está próxima de ações militares ilegais. E não eram propriamente casos de manifestações, mas sim com o pretexto de garantir a segurança máxima de autoridades que visitariam a região”, recorda-se. “Nós sempre condenamos profundamente essas prisões preventivas, porque achamos que se trata de uma mecânica de direito extremamente perigosa. Quando começamos a prender as pessoas não pelo que elas fizeram, mas pelo que elas podem fazer, entramos em uma situação jurídica muito instável e extremamente liberticida.”
Prisões ilegais
O advogado Breno Melaragno Costa, professor de Direito Penal da PUC-Rio, avalia que os responsáveis por crimes durante protestos devem responder criminalmente. Mas aponta que no caso dos manifestantes detidos antes da Copa, houve arbitrariedades, como a decretação das prisões temporárias com o objetivo de evitar vandalismo no final da Copa e a restrição do acesso dos advogados de defesa aos autos do processo.
“Eu penso que o juiz desvirtuou a razão de ser da prisão temporária. Não há como prender alguém supondo que ele vai cometer um crime. Isso é uma afronta às leis, às normas jurídicas vigentes”, afirma. “São prisões ilegais, tanto é que o Tribunal de Justiça, em segunda instância, assim decidiu e determinou a soltura dos presos.”
Antoine Madelin ressalta que a violação do direito de protestar tem aumentado em todo o mundo. Alguns países, relata, chegam a mudar a legislação para autorizar a prisão de manifestantes.
“O relato do Brasil ecoa o que temos visto no mundo inteiro hoje, infelizmente. Assim como no Brasil, a mesma coisa acontece na Turquia ou em outros países, onde as autoridades restringem de maneira abusiva as liberdades de reunião e de manifestação e cometem, neste aspecto, violações das suas obrigações internacionais em direitos humanos”, lamenta.
Garantir segurança
O representante da Federação Internacional das Ligas dos Direitos Humanos argumenta que as autoridades precisam tomar as medidas necessárias para garantir que os protestos ocorram sem violência, como delimitar o trajeto da manifestação e estar em contato com os organizadores dos atos. A proibição, garante, deve sempre ser a última alternativa para evitar o quebra-quebra.
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