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Série de ataques levanta questões sobre eficiência da prevenção de atentados

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A série de ataques terroristas em Paris leva a França a questionar a prevenção de atos extremistas no país. Especialistas destacam que o serviço francês antiterrorismo está entre os melhores do mundo, mas é “impossível” evitar a ocorrência de atentados.

Reuters
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Desde que a França passou a ser um alvo deliberado de ataques com motivação islâmica, nos anos 1990, uma série de modificações legais foram adotadas para facilitar o trabalho dos serviços de informação. A principal ocorreu após o ataque à estação de metrô Saint Michel, em 1995, como lembra Mark Hecker, especialista em terrorismo e segurança do Instituto Francês de Relações Internacionais.

“O objetivo da lei foi permitir a chamada intervenção preventiva, antes de um atentado, e poder acompanhar redes ou pessoas que estejam tentando preparar um ataque. Desde 1996, não é mais necessário haver um plano concreto para poder prender e julgar pessoas”, afirma. “E em 2012, após os atentados de Mohamed Merah em Toulouse e Montauban, uma nova lei passou a permitir a detenção de pessoas que não cometeram nenhum crime no território francês, mas que saíram do país e cometeram delitos no exterior.”

Ter ou demonstrar pensamentos extremistas, assim como consultar sites jihadistas, não são considerados crimes na França. Mas essas atitudes alertam os serviços de luta contra o terrorismo, que passam a observar cada passo dos suspeitos, dentro das limitações da lei. As permissões de realização de escutas telefônicas, por exemplo, são reduzidas.

Acompanhamento limitado

O pesquisador observa que os investigadores acompanham os suspeitos por um determinado período, mas se nada acontece durante alguns anos, os agentes acabam concentrando as atenções em outros casos considerados mais perigosos. A Direção de Segurança Interna tem 3,5 mil funcionários para cuidar das ameaças à França – mas apenas o número de suspeitos de extremismo islâmico passa de 1.000.

“Basta haver um que consegue passar o pente fino para provocar efeitos extremamente graves em uma sociedade. Por isso, os cidadãos precisam ser sensatos e compreender que não podemos exigir o impossível da polícia e dos serviços de informação”, afirma. “As autoridades não podem acompanhar eternamente pessoas que foram condenadas há 10 anos ou mais.”

Tempo, o maior aliado

O tempo é justamente o maior aliado dos extremistas – eles podem levar anos para preparar uma ação, como parece ser o caso dos ataques ocorridos em Paris. Os primeiros elementos das investigações mostram que os irmãos Kouachi, apontados como autores do atentado ao jornal Charlie Hebdo, podem ter ligação com a Al Qaeda na Península Arábica. Em 2008, o então líder da organização, Osama Bin Laden, prometeu punir os cartunistas que retrataram o profeta Maomé, uma missão que pode ter levado sete anos para ser executada, segundo Dominique Thomas, especialista em islamismo radical da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS).

“A primeira ‘qualidade’ de um jihadista membro desta organização é a paciência. Eles não brincam com a paciência: é algo intrínseco a eles, que podem levar vários anos até agir”, sublinha. “Não há limites às ameaças que essas organizações fazem porque elas avaliam que o espaço de tempo, de reflexão e de paciência delas não tem nada a ver com o nosso tempo ocidental.”

Thomas destaca que os extremistas mantêm uma vida discreta quando pertencem a uma rede, pela qual são treinados. Em fase de “célula adormecida”, eles não usam barbas longas nem roupas típicas islâmicas, frequentam pouco as mesquitas e chegam a ter hábitos ocidentais, como beber álcool e ir a boates noturnas. A comunicação com outros membros da rede é feita com muita cautela, de maneira codificada e jamais pela internet, o que dificulta a ação dos investigadores.

“Há um tipo de código, de formação para realizar uma operação que seja ‘digna’ da comunidade jihadista, em especial a Al Qaeda, neste caso”, explica.

Comunidades muçulmanas

Os serviços de segurança acompanham com especial atenção as comunidades muçulmanas das periferias francesas. A situação de exclusão social na sociedade colabora para os jovens entrarem no extremismo, principalmente os que já têm ficha criminal por pequenos delitos. Em muitos casos, o caminho para o radicalismo acontece na prisão, como explica a socióloga da Universidade de Toulouse Angelina Peralva, especialista nos estudos sobre a violência.

“A prisão tem se transformado em uma fábrica de terroristas. Hoje quem ocupa as penitenciárias francesas são jovens de periferias urbanas. É uma radicalização minoritária que tem um potencial de desenvolvimento, seja pelas condições sociais nas periferias urbanas e a que estão submetidas as populações de cultura muçulmana, mas não apenas. No processo de radicalização, há jovens de cultura cristã que se converteram”, analisa.

Peralva ainda ressalta que o acesso a armas na França aumentou muito nos últimos anos, o que também facilita a entrada dos jovens no caminho do terrorismo.
 

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