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O Mundo Agora

França se aproveita de erros dos EUA para ampliar influência no Oriente Médio

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O Oriente Médio sempre foi o tabuleiro de xadrez geopolítico mais complexo do planeta. Ali se enfrentam os interesses contraditórios não só dos atores locais, mas também, das grandes potências. Tem que ser competente para meter a mão nessa cumbuca: cada movimento mexe todas as peças, das mais pequenas até as mais poderosas.

François Hollande na chegada em Riyad, segunda-feira 4 de maio de 2015, foi recebido pelo rei Salman d'Arabia Saudita.
François Hollande na chegada em Riyad, segunda-feira 4 de maio de 2015, foi recebido pelo rei Salman d'Arabia Saudita. REUTERS/Christophe Ena
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A região sempre acaba engolindo quem pretende participar da refrega e tem o efeito de uma droga pesada: um boi para não entrar, uma boiada para não sair. François Hollande é o último líder a tentar interpretar o papel de Lawrence da Arábia. O presidente francês vai ter a honra de ser o primeiro dirigente ocidental a participar de uma Cúpula do Conselho de Cooperação do Golfo. Uma rara demonstração de confiança e simpatia por parte do xeiques da Península Arábica e seus barris de petróleo.

Na verdade, Hollande está seguindo a cartilha da dita “política árabe” lançada há décadas pelo general de Gaulle. Uma mistura de jogos de influência política e de polpudos negócios. Paris não conseguiu vender o avião de combate Rafale para o Brasil, mas encontrou bons compradores árabes. O Egito já assinou um contrato para 24 aparelhos e agora é a vez do Qatar desembolsar mais de € 6 bilhões para outros tantos. A Dassault Aviation, que também vendeu para a Índia, já está achando que vai conseguir mais mercado na Arábia Saudita e nos Emirados. Nada mal para um modelo de avião caríssimo que ainda não tinha encontrado um comprador no estrangeiro.

Objetivo da França na região não é só comercial

Mas seria um erro pensar que o objetivo é só comercial. Desde a Segunda Guerra Mundial, a França, no mundo árabe, tenta enfrentar a concorrência do seu grande aliado norte-americano. Quando Eisenhower desembarcou na África do Norte, que ainda era colônia francesa, ele logo contatou a oposição nacionalista marroquina e argelina para passar um recado: os Estados Unidos não veriam com maus olhos uma independência destes países. De Gaulle nunca perdoou. E, desde então, quando se trata de árabes, Paris vive numa luta de influência com Washington. O que também não impede uma estreita cooperação militar dos dois países nessa região.

Em 1957, os americanos puxaram o tapete debaixo da intervenção franco-britânica no Egito que queria impedir a nacionalização do canal de Suez pelo governo Nasser, deixando os dois aliados europeus pendurados na brocha e humilhados. Apareceu, então, a ideia de sempre tentar utilizar os erros e as bobagens americanas na região para promover os interesses da França.

E a melhor maneira foi sempre a de dar provas de que a diplomacia francesa sempre estaria do lado árabe enquanto os Estados Unidos, a grande potência externa na região, nunca hesitavam em jogar todas as peças possíveis do tabuleiro. Paris não gostou nada de ver o presidente Jimmy Carter abandonar o governo pró-ocidental do Xá da Pérsia, deixando os radicais xiitas tomarem o poder em Teerã. Um acontecimento absolutamente traumático para os países sunitas do Golfo que consideram o Irã como o inimigo hereditário.

França quer aumentar influência sem entrar em confronto com os EUA

Durante a terrível guerra Irã-Iraque, a França apoiou militarmente o regime de Saddam Hussein em Bagdá e os serviços de inteligência franceses ajudaram a monarquia saudita a reprimir brutalmente tentativas de insurreições xiitas na Meca. Agora, com Barack Obama apostando pesado numa reconciliação com o Irã, a França é a potência ocidental mais abertamente hostil às negociações nucleares com os aiatolás e à idéia de acabar incluindo num eventual processo de paz o sírio Bachar El-Assad, aliado de Teerã e inimigo figadal dos sauditas.

Querer mostrar a todo o momento que a política externa francesa na região não é de ziguezagues, e que os Árabes podem contar com a simpatia constante de Paris, é uma maneira de criar um pequeno espaço para os interesses franceses numa região dominada pela presença acachapante dos Estados Unidos. Mas sem por em perigo a aliança e a cooperação militar com Washington, hoje indispensável nas operações francesas na África do Saara e do Oeste. E um bom contrato de armamentos, sem falar nos bons negócios das construtoras e outras grandes empresas gaulesas, só pode ajudar um presidente Hollande parado nas profundezas das sondagens de opinião.

 - Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, escreve às terças-feiras para a RFI.

 

 

 

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