Portugal vive um impasse político desde que o premiê conservador Pedro Passos Coelho foi derrubado pelos votos da oposição de esquerda, na terça-feira (10). Agora, a decisão está nas mãos do presidente Cavaco Silva, entre nomear o líder do Partido Socialista, António Costa, para a chefia de Governo, ou designar uma equipe de transição até a realização de novas eleições, no mínimo em fevereiro de 2016.
A primeira alternativa é vista como a mais provável, para não instalar uma paralisia no executivo. Com poderes limitados, um governo de gestão poderia travar a lenta retomada econômica do país, um dos que mais sofreu com a crise de 2008.
Os partidos de esquerda radical já anunciaram que apoiariam um eventual governo socialista, uma situação inédita em 40 anos de democracia portuguesa. O cientista político Pedro Fonseca, da Universidade de Lisboa, afirma que, embora os diferentes partidos de esquerda tenham em comum a rejeição da austeridade, há divergências profundas sobre a maneira como esse objetivo deve se concretizar. António Costa prometeu cumprir os compromissos assumidos com a União Europeia, em troca do resgate financeiro que o país recebeu até maio do ano passado.
“Na visão do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, é melhor ter o Partido Socialista no governo, mesmo que não consigam todos os objetivos que propunham durante a campanha eleitoral. O entendimento foi de que é melhor os socialistas do que uma coligação de direita”, explica. “Mas não há ilusões de que não será altamente desafiante para o Partido Socialista conseguir lidar, por um lado, com os objetivos internacionais de Portugal, de déficit e tratado orçamentário, e por outro com as exigências que vão surgir dos partidos mais à esquerda.”
Maioria dos eleitores indica rejeição à austeridade
O premiê Passos Coelho, que desde 2011 implanta medidas de rigor no país, teve o programa de governo rejeitado pela maioria do Parlamento. A derrota o levou à demissão, apenas 11 dias depois de tomar posse.
Embora a direita tenha vencido as últimas eleições legislativas, Fonseca destaca que quase 70% dos votos foram para os candidatos que propunham medidas antiausteridade. Segundo o especialista, a legitimidade de um governo de esquerda não estaria em jogo.
“Constitucionalmente e formalmente, não há problema de legitimidade. O que a direita evoca é que essa não é a tradição, não é regra habitual da democracia portuguesa e nunca tinha acontecido, mesmo que em situações de governo minoritário”, ressalta o cientista político.
O economista Ricardo Cabral, professor da Universidade da Madeira, observa que a população portuguesa está tomada pela apatia, e um governo com um viés mais social poderia iniciar uma reação. Ele lembra que, apesar de todo o aperto fiscal dos últimos anos, o déficit diminuiu “muito pouco”.
“O que os socialistas querem fazer, me parece, é alterar um pouco as medidas que estavam programadas: aumentar a renda de quem tem menos e os impostos sobre as maiores rendas, na esperança de que não haverá um grande impacto no déficit. Com essas medidas, a esperança é gerar um impacto significativo grande na atividade econômica, permitindo a redução do déficit em relação ao PIB”, analisa.
Portugal pode querer renegociar a dívida
A principal bandeira da esquerda radical, a renegociação da dívida portuguesa junto com os credores, não faz parte do programa de governo socialista, embora o tema não seja um tabu no partido. Cabral avalia que a questão seria colocada, cedo ou tarde.
A Grécia, outro país que recebeu ajuda financeira europeia, tem insistido nesse ponto, desde que o primeiro-ministro de esquerda Alexis Tsipras assumiu o poder. Mas na opinião do professor, a situação dos dois países não é comparável.
“Não há aqui nenhuma posição dura de confronto. António Costa disse que vai cumprir as regras europeias e o tratado orçamentário e que a princípio não vai reestruturar a dívida – o que, na minha perspectiva, é ruim”, diz o economista. “A estratégia contrasta com a de Alexis Tsipras, que procurava afirmar que iria mudar tudo. O único problema nessa estratégia é que é muito difícil de se fazer diferente, no quadro institucional europeu, com as regras atuais.”
A Constituição portuguesa não impõe prazos para a decisão do presidente Cavaco Silva sobre o futuro do país. Por enquanto, ele tem feito consultas a lideranças partidárias, e não esconde as reticências em nomear um governo apoiado pelos partidos abertamente contrários à austeridade.
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