Russos ainda não estão prontos para enterrar a múmia de Lênin
Símbolo máximo da Revolução de 1917, Vladimir Ilitch Ulyanov, ou Lênin, é figura presente no imaginário coletivo russo. O revolucionário, que desembarcou cem anos atrás na estação Finlândia, em São Petersburgo, onde ainda há uma imensa estátua sua apontando para o futuro, é lembrado em Moscou em centenas de placas de bronze na entrada dos edifícios onde vivera ou por onde passara em algum momento da sua vida.
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Vivian Oswald, correspondente da RFI, especial de Moscou
Na estação de metrô Biblioteca Lênin, na capital, a imagem do líder revolucionário na parede de mármore, mantem-se grande, porém silenciosa, em meio ao burburinho dos milhões de moscovitas que passam por ali apressados diariamente. O “Vovô Lênin”, como o chamam saudosistas, ou aqueles que aprenderam a reverenciá-lo desde os tempos de escola, tem lugar indiscutível na Rússia contemporânea. E as cerca de seis mil estátuas em sua homenagem espalhadas pelo país, das quais 150 só em Moscou – onde o bolchevique é nome de uma das principais artérias da cidade e outras 77 em São Petersburgo, confirmam que deve continuar assim por um bom tempo.
Isso explica por que, nem o presidente Vladimir Putin, nem a Igreja Ortodoxa, consideram a hipótese de retirar o corpo embalsamado do líder socialista do Mausoléu de mármore, aos pés do Kremlin, onde está há 93 anos. Pelo menos por enquanto. Desde a Perestroika, discute-se a necessidade de enterrá-lo ou não. Governo e clérigos concordam que a sociedade ainda não estaria pronta para apagar uma das principais memórias da revolução. Seria tocar em uma ferida recente demais, na avaliação de historiadores. “Enquanto o Kremlin de Putin fez da Igreja Ortodoxa um dos pilares do Estado Russo, ele não pretende aborrecer o partido comunista. Nem a Igreja Ortodoxa quer isso”, disse o especialista do Centro Carnegie Andrei Kolesnikov.
Recentemente, a Igreja veio a público para repetir mais de uma vez que não espera enterrar o corpo de Lenin tão cedo, ecoando, assim, o discurso de “reconciliação” que tem sido pregado pelo governo. “O ideal seria enterrá-lo. Mas é preciso que o país esteja preparado. Não tem que ser agora. Só quando esse assunto deixar de dividir as pessoas”, afirma Vladimir Legoida, presidente do Departamento Sinodal para a Interação da Igreja com o Público e Mídia.
O assunto tem sido tratado com o máximo de cuidado pelos ortodoxos. Em março deste ano, por ocasião das comemorações do centenário da revolução, o Sínodo dos Bispos da Igreja Ortodoxa Russa fora da Rússia publicou uma declaração em que dizia que “a libertação da Praça Vermelha” dos restos do maior perseguidor e executor do século XX e a destruição dos seus monumentos “será o símbolo da reconciliação do povo russo com o Senhor”. Rapidamente, representantes do Patriarcado de Moscou foram a público lembrar que esta não é a sua posição, advertindo que o que os vizinhos próximos estavam usando o termo “descomunização” como uma espécie de “desrrussificação”.
Presença da estátua na Praça Vermelha divido opiniões
“Entendemos que a sua presença na Praça Vermelha não tem nada a ver com as tradições cristãs. Mas só podemos levantar a questão do enterro, quando uma campanha de “descomunização” e “dessovietização” tiver sido encerrada no território pós-soviético. E, depois disso, quando levantarmos a questão, temos de nos basear em elementos apenas religiosos, e não políticos”, disse Alexander Shchipkov, vice-presidente do Departamento Sinodal para a Interação da Igreja com o Público e Mídia, em artigo publicado em março na agência russa Interfax.
A despeito de todas as divisões que o tema ainda possa inspirar, a verdade é que, aos poucos, o culto à imagem do líder bolchevique vem perdendo a intensidade. As novas gerações não têm por Lênin o mesmo apreço que tinham seus pais e avós. Uma pesquisa de opinião realizada pelo Centro Iuri Levada em abril deste ano mostra que 58% da população já concordaria em tirar o corpo de Lênin do mausoléu e enterrá-lo. Mesmo assim, a maioria (78%) é contra retirar o monumento em sua homenagem da Praça Vermelha, o coração político do país.
Stálin é considerado pelos russos a figura mais importante da história
Mas se ainda há muitas estátuas pela Rússia (e fora dela), elas já foram mais numerosas. Estima-se que sete mil peças estavam espalhadas pelo país até 1991. Há pelo menos uma década, pesquisas de opinião feitas pela televisão e por centros de pesquisa mostram que o ditador Josef Stálin é considerado pelos russos a figura mais importante da história.
Lênin aparece entre os primeiros dez da lista, mas não em primeiro lugar. A mais recente, publicada em junho deste ano pelo Centro Iuri Levada mostra que 38% dos entrevistados apontaram Stálin, contra 34% que indicaram Vladimir Putin e o poeta Alexander Pushkin e 32%, Lênin. Esta foi a primeira vez que o atual presidente integrou a lista.
Acredita-se que o assunto será pacificado no longo prazo. Até lá, como vem acontecendo nos últimos anos, cada aniversário do bolchevique ou da revolução trará de volta para o centro das atenções a discussão sobre o que fazer com a múmia.
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