Acessar o conteúdo principal
O Mundo Agora

"Pouca gente ainda se identifica com um partido político"

Publicado em:

Difícil imaginar uma democracia sem partidos. E ainda menos com um partido único. Mas um sistema político com partidos demais também sempre acaba se dissolvendo em confrontos permanentes. No século 20, as democracias mais estáveis e bem-sucedidas funcionaram na base de dois ou três grandes movimentos políticos: um de direita, de cunho conservador clássico, outro de esquerda progressista ou socialista, e por vezes uma força menor mais liberal. Cada partido ou coalizão alternando-se no poder ou até cooperando.

Eleitores escolhem fichas dos partidos políticos durante eleição na França.
Eleitores escolhem fichas dos partidos políticos durante eleição na França. ROMAIN LAFABREGUE / AFP
Publicidade

Esses modelos exitosos eram um reflexo de sociedades unidas em torno de valores essenciais: respeito às liberdades individuais, tolerância para com os adversários políticos, confiança na capacidade dos aparelhos de Estado e das instituições e a necessidade, para o bem comum, de se entender ou evitar enfrentamentos radicais.

Infelizmente essa idade de ouro da democracia moderna parece estar se desmelinguindo. Até nas nações democráticas mais antigas. Basta olhar para o resultado das eleições na Europa, nos países democráticos da América Latina, ou até para a campanha presidencial americana. O que domina é a fragmentação do corpo político: votos dispersos entre vários partidos, cada um com um quinhão menor das preferências do eleitorado. Pactuar um governo estável, coerente e com algum tempo pela frente para por em prática o seu programa tornou-se extremamente difícil.

Espanha não consegue nem constituir um governo

A Espanha, com quatro partidos relativamente fortes e uma série de nanicos, não consegue nem constituir um governo. Portugal teve que apelar para uma coalizão de várias forças com programas muito pouco afins. A Grécia cai não cai. Na França, na Alemanha ou na Holanda voltam os fantasmas de forças extremistas e intolerantes, quase sempre de extrema-direita, mas não só.

Os populismos chauvinistas estão no poder em vários países da Europa do Leste. Nas democracias latino-americanas, situação e oposição estão se desintegrando a passos rápidos, aumentando a ingovernabilidade.

Mais grave ainda, os grandes partidos tradicionais estão enfrentando correntes internas cada vez mais incompatíveis. Até nos Estados Unidos, a mãe das democracias constitucionais modernas, a situação é preocupante. O fenômeno Trump está implodindo o Partido Republicano, enquanto que o Partido Democrata está praticamente rachado entre Hillary Clinton e Bernie Sanders. Pior ainda: pouca gente ainda se identifica com um partido político.

A militância acaba caindo nas mãos dos mais mobilizados e extremistas. Os que acham que qualquer conversa ou arranjo com os adversários políticos é traição. Essa incapacidade de se entender está transferindo a responsabilidade de governar para o Judiciário. E a conseqüência é tétrica: a politização do aparelho judicial e portanto a queda da confiança na neutralidade da justiça. O fim da própria democracia.

Consequência da degradação da sociedade

Claro, isso é consequência direta da desagregação da sociedade e da perda dos instrumentos de poder por parte dos governos. Os Estados nacionais não têm mais condições de controlar e administrar os problemas criados pela globalização econômica, da informação e da comunicação. O máximo que podem alcançar é serem gestores locais de uma lógica global que não respeita nem fronteiras nem eleitorados. Desemprego, produtividade, inovação, mobilidade social, desenvolvimento industrial, circuitos culturais ou de informação: qualquer solução está muito além das possibilidades de cada governo.

As sociedades civis, hoje super-informadas e conectadas, utilizam as redes sociais para mobilizar e pressionar fora dos canais da democracia representativa. A vantagem é o maior debate e participação do cidadão comum. A desvantagem é que sem uma solução política institucional, os cidadãos ficam a mercê de demagogos autoritários que utilizam o dinamismo social para atacar a democracia e as liberdades.

Hoje, o maior desafio é como inventar os regimes democráticos adaptados a um mundo globalizado e às sociedades fragmentadas. Afinal de contas, a democracia é a única forma de governo que possa garantir as liberdades e um progresso social sustentável. “O pior dos regimes, excluindo todos os outros”, diria Winston Churchill.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.