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O Mundo Agora

Perdedores da globalização caem no conto do vigário populista

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Momento perigoso nos países ricos ocidentais. A cada pleito, partidos e candidatos extremistas – de direita ou de esquerda – ganham ou chegam muito perto. Estados Unidos, Grã-Bretanha, Grécia, Polônia, Hungria, Itália: a lista é longa. A Espanha viveu um ano sem governo e a Bélgica, dois. A Áustria foi uma boa surpresa, mas o candidato populista e xenófobo não está longe.

Deputados participam de sessão no Parlamento Europeu, em 22 de novembro de 2016.
Deputados participam de sessão no Parlamento Europeu, em 22 de novembro de 2016. REUTERS/Vincent Kessler
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É como se o modelo de democracia parlamentar não desse mais conta do recado. “Insurreição eleitoral” dos povos contra as elites, teorizam alguns. Mas o fenômeno é mais uma metade de “povo” rejeitando a outra. E as famosas “elites” no meio, sem saber o que dizer ou fazer. Basta ver os resultados eleitorais, sempre extremamente apertados. E constatar que parte importante da população nem se digna a ir votar.

O perigo é que a democracia parlamentar só pode prosperar se uma grande maioria dos cidadãos aceita a alternância no poder e acredita nas instituições, mesmo quando o adversário político sai vencedor. A ideia é que o partido que ganha vai tentar aplicar o seu programa, mas também vai levar em conta a oposição. E que na próxima eleição vai ser possível trocar as cadeiras.

Este modelo vem funcionando nos Estados Unidos há mais de um século e meio, e na Europa ocidental desde o final da Segunda Guerra Mundial. Mas só é possível se houver dinamismo econômico gerando empregos, salários, proteção social, liberdade de expressão e otimismo para a grande maioria da população. De maneira que até em período de crise, os cidadãos acreditem que há luz no fundo do túnel.

Fundamentalmente, o sistema político democrático depende da chamada “economia social de mercado”: produtos fabricados em massa e acessíveis à massa de trabalhadores consumidores com bons salários e protegidos por generosas políticas sociais. Essa receita foi implantada nos Estados Unidos a partir da grande crise dos anos 1930, e na Europa ocidental depois de 1945 e os horrores da guerra. Mas foram necessárias catástrofes que levaram à falência – e até liquidaram fisicamente – uma parte das elites tradicionais.

As classes políticas americana e europeia estão numa sinuca

Hoje, esse modelo de produção de massa para o consumo de massa, depois de ter se espalhado pelo mundo inteiro, chegou no limite. Graças à revolução tecnológica uma nova maneira de produzir e consumir está aparecendo: uma produção customizada, baseada na inovação permanente, e um consumo também customizado, personalizado, dando prioridade aos serviços e aos bens imateriais. As velhas indústrias estão perdendo rapidamente a capacidade de competir. Ou fecham, ou entram na corrida tecnológica, robotizando a produção.

O resultado é o desaparecimento, cada vez mais rápido, dos empregos industriais e serviços anexos tradicionais. Operários e empregados, a pequena classe média industrial, estão perdendo pé, enquanto uma nova classe média urbana, diretamente conectada às tecnologias da informação e comunicação, encontra fartura de empregos, bem pagos e consome serviços de qualidade. E sem possibilidade de voltar atrás. Os perdedores, desesperados, caem no conto do vigário de demagogos que prometem fechar as fronteiras e salvar todas as velhas indústrias e comércios ultrapassados.

Nos Estados Unidos, nas velhas regiões rurais e periurbanas, os que foram passados para trás votaram em Trump. Mas nas grandes cidades modernas e cosmopolitas, escolheram Hillary. Essa divisão geográfica também aconteceu na Inglaterra e aparece na Europa inteira. E vem minando os fundamentos da democracia parlamentar estabelecida.

As classes políticas americana e europeia estão numa sinuca. O novo modelo de produção e consumo é globalizado. Impossível retornar à plena soberania nacional. Os governos não tem mais nem condições, nem instrumentos, para administrar, no âmbito nacional, essa trincheira que vem se alargando entre as grandes cidades e o resto do país.

O avanço dos populismos passadistas precipitaria os países na crise e na miséria – a velha indústria não vai renascer. Mas se não houver soluções para a massa de perdedores, a vitória das camadas urbanas que vivem na nova economia só poderá se consolidar com regimes autoritários e repressivos. Nos dois casos, seria o fim da democracia ocidental.

Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica para a RFI às segundas-feiras

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