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Kourou se prepara para lançar Webb, o maior e mais potente telescópio da história

Já está tudo preparado para um evento esperado pela comunidade científica há mais de 25 anos: o lançamento do telescópio espacial James Webb, o maior e mais potente instrumento de observação já criado. O aparelho será transportado pelo foguete não tripulado Ariane 5, que deve partir da estação espacial de Kourou no dia 25 de dezembro, após ter sido adiado várias vezes. O acontecimento mobiliza cientistas e muitos curiosos, que já estão na Guiana Francesa para acompanhar esse feito histórico.

James Webb Space Telescope (peça vertical no centro da imagem) sendo preparado na Central Espacial Europeia, na Guiana Francesa.
James Webb Space Telescope (peça vertical no centro da imagem) sendo preparado na Central Espacial Europeia, na Guiana Francesa. © ESA-CNES-ARIANESPACE
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Silvano Mendes, enviado especial a Kourou

No ônibus que faz a visita guiada do centro espacial europeu, uma área protegida de 700 km² no território ultramarino francês, situada entre a floresta amazônica e o oceano Atlântico, os passageiros não tiram os olhos da janela. Nessa zona conhecida por seus animais selvagens, com onças que às vezes dão o ar da graça, todos querem ver outra espécie rara: um telescópio que se prepara para orbitar em volta do Sol, a 1,5 milhão de quilômetros da Terra.

“O telescópio espacial James Webb é, de longe, o evento mais importante na história da astronomia moderna”, se empolga a astrofísica Nour Skaf. A pesquisadora francesa que vive no Havaí, onde trabalha sobre outro telescópio, o Subaru, está em Kourou especialmente para acompanhar o lançamento de perto.

“O Webb vai nos permitir olhar galáxias mais distantes, efetuar a observação do nascimento e da morte das estrelas, mas também dos exoplanetas [os planetas fora do sistema solar] que gravitam em torno de outras estrelas, onde potencialmente poderíamos detectar algum tipo de vida”, detalha a pesquisadora, membro do projeto de vulgarização da astronomia La Guyane vers les étoiles (A Guiana rumo às estrelas). “James Webb poderá ser o instrumento que vai detectar uma forma de vida extraterrestre”, argumenta.

O potencial de atuação do satélite se deve, entre outras coisas, a suas dimensões e os espelhos que comporta, capazes de fazer observações a distâncias até então desconhecidas. Com 6,5 metros de diâmetro e um parasol do tamanho de uma quadra de tênis, Webb vai poder ir além do trabalho já feito por seu antecessor, o Hubble, lançado em 1989 e que continua ativo a “apenas” 600 km de altitude. “Essa é a primeira vez que um satélite tão grande é enviado ao espaço”, insiste Nour Skaf.

25 anos de pesquisas e orçamento triplicado

Fabricado nos Estados Unidos sob a direção da Nasa, o James Webb Space Telescope (JWST), ou Webb para os íntimos, leva o nome de um dos ex-diretores da agência espacial norte-americana e conta com instrumentos das agências espaciais europeia (ESA) e canadense (CSA), que colaboram na operação. O aparelho começou a ser concebido logo após o lançamento do Hubble.

Uma réplica e tamanho real do foguete Ariane 5 é exposta diante do Museu do Espaço, no Centro Espacial Europeu, em Kourou.
Uma réplica e tamanho real do foguete Ariane 5 é exposta diante do Museu do Espaço, no Centro Espacial Europeu, em Kourou. © Silvano Mendes / RFI

O equipamento deveria ter sido lançado no início dos anos 2000, mas uma série de problemas técnicos obrigaram as equipes a adiar várias vezes a operação. Os imprevistos também fizeram o custo do projeto praticamente triplicar, se aproximando dos € 11 bilhões (mais de R$ 70 bilhões).

Mas as cifras parecem apenas um detalhe para os cientistas de várias áreas e os fãs do assunto que acompanham a aventura de longe, pela internet, ou de perto, visitando Kourou pessoalmente, onde é possível agendar um passeio gratuito de cerca de três horas no centro espacial, que conta ainda com um Museu do Espaço. “Sempre recebemos mais visitantes quando há um lançamento importante”, relata Magali, guia que acompanha os grupos há anos. “Geralmente são pessoas que têm alguma ligação profissional com o tema [jornalistas, pesquisadores, engenheiros]. Mas desta vez, com Webb, notamos que o evento está atraindo muita gente que não trabalha no setor. Constatamos que há muitos estrangeiros e curiosos que vieram especialmente para o lançamento”.

Visitantes fazem fotos diante do espaço de lançamento dos foguetes Ariane, no Centro Espacial Europeu, em Kourou.
Visitantes fazem fotos diante do espaço de lançamento dos foguetes Ariane, no Centro Espacial Europeu, em Kourou. © Silvano Mendes / RFI

Em cada pausa da visita, quando todos saem do ônibus para tirar fotos, Magali é bombardeada de questões. Tem desde perguntas de amadores até questões de especialistas e geeks de todo tipo, que se interessam por detalhes ínfimos, mas essenciais aos olhos da Ciência. Há também aqueles que querem saber se a operação pode ser adiada de última hora e quem toma essa decisão: o homem ou a máquina?

Esse tipo de pergunta está ligada ao fato de que a decolagem de um foguete pode reservar surpresas até o último minuto, seja por razões técnicas ou meteorológicas. Além dos atrasos registrados durante a operação, imprevistos já fizeram a Nasa mudar várias vezes a data do lançamento do Webb apenas este mês, passando de 18 para 21 de dezembro, antes de ser adiado novamente para dia 24 e, na última hora, para 25 de dezembro. “Como digo sempre aos visitantes, só conhecemos realmente a data do lançamento depois que o foguete foi lançado”, resume Magali.

E, respondendo às perguntas dos curiosos durante a visita, os guias explicam que todas as decisões são tomadas primeiro pelo computador, programado para interromper a operação antes, durante e mesmo alguns segundos após o lançamento. Mas a mão do homem nunca está muito longe, e uma intervenção humana também é possível.

Público seleto acompanha lançamento de camarote

Mesmo assim, as equipes da Central Espacial já prepararam o salão Jupiter, área onde o público pode acompanhar a decolagem de camarote. O local, estruturado como um anfiteatro, permite aos visitantes ver de perto o trabalho das equipes técnicas, que ficam atrás de uma vitrine cercados por computadores e outros instrumentos de controle.

Salão Jupiter, onde convidados podem acompanhar a contagem regressiva para o lançamento do foguete Ariane 5 ao mesmo tempo que as equipes técnicas, protegidos por uma vitrine.
Salão Jupiter, onde convidados podem acompanhar a contagem regressiva para o lançamento do foguete Ariane 5 ao mesmo tempo que as equipes técnicas, protegidos por uma vitrine. © Silvano Mendes / RFI

Para outros lançamentos é possível conseguir uma entrada se organizando com antecedência. Mas para o Webb, obter um ingresso é praticamente uma missão impossível, já que as equipes da Nasa e das agências espaciais europeia e canadense, assim como as autoridades locais, ocuparão praticamente todos os lugares. Até a imprensa teve acesso restrito, com menos de 30 jornalistas do mundo todo credenciados em Kourou. Os demais vão ter que acompanhar pela internet.

Já para os sortudos que estiverem dentro do salão Jupiter, o ritual é preciso. Poucos instantes antes da contagem regressiva, todos vão para uma sacada, da qual é possível ver o foguete sendo lançado a olho nu, a uma distância de 12 km da plataforma – o mais perto que um ser humano pode ficar sem estar protegido por um dos inúmeros bunkers espalhados pelo Centro Espacial. Em seguida, os convidados voltam para o salão, onde acompanham o início da trajetória no telão.

Os instantes que se seguem são talvez os mais emocionantes, não apenas pelo espetáculo do aparelho cruzando o céu, como uma bola de fogo, mas também pelo suspense, pois em caso de problema, as equipes da central ainda podem, durante esses curtos instantes, “neutralizar” o foguete, eufemismo usado para definir uma explosão voluntária no céu. Algo difícil de imaginar após tantos anos de pesquisa e dinheiro investido, mas que já aconteceu, em 1996, no primeiro lançamento da Ariane 5, quando o aparelho foi neutralizado 35 segundos após a decolagem em razão de um problema técnico.

Aposentadoria da Ariane 5

Se o foguete decolar com sucesso na véspera deste Natal, a data vai coincidir com o aniversário de 42 anos do primeiro lançamento de um aparelho da família Ariane a partir de Kourou. A decolagem do Webb também marcará a fim de uma longa carreira do Ariane 5, que bateu recordes ao realizar 116 lançamentos desde 1998 (após dois anos de tentativas fracassadas).

O evento desse 25 de dezembro também representa o fim de um capítulo, já que Ariane 5 vai se aposentar após essa operação. O foguete deixará a vaga para Ariane 6, que já está sendo finalizado e deve estar operacional em meados de 2022. O novo “lançador” tem como principal particularidade realizar a montagem das diferentes partes com o foguete “deitado” – assim como fazem atualmente os russos, que também usam o Centro Espacial de Kourou para lançar o seu Soyouz, um aparelho usado para transportar principalmente satélites de pequeno porte.

Longe de ser um detalhe, o método adotado para Ariane 6 representa uma economia de tempo e dinheiro, pois várias partes podem ser montadas ao mesmo tempo, fazendo com que essa etapa do processo passe de 21 para 8 dias. Isso pode dividir pela metade os custos da operação e tornar ArianeSpace, a empresa francesa que administra os lançamentos, muito mais competitiva em um mercado de conquista espacial cada vez mais dinâmico. O argumento comercial, aliás, já deu resultados, pois mesmo se Ariane 6 ainda não está totalmente finalizada, contratos já foram assinados para os primeiros lançamentos.

Mas enquanto Ariane 6 não chega, todas as atenções continuam voltadas para Ariane 5 e o telescópio Webb. Um evento tão esperado que o grupo que visitou a Central Espacial de Kourou poucos dias antes do lançamento nem parecia incomodado em rodar durante três e não ver a estrela da festa. Nessa fase final dos preparativos, o JWST segue protegido em um hangar do qual apenas os técnicos se aproximam. Mesmo assim, todos os passageiros do ônibus voltaram para casa contentes, com uma bela foto de um banal prédio marrom onde o telescópio aguarda tranquilamente antes de ganhar o espaço.

Prédio que acolhe o telescópio Webb, visto de longe durante passeio de ônibus, é o mais perto que os visitantes podem chegar do aparelho.
Prédio que acolhe o telescópio Webb, visto de longe durante passeio de ônibus, é o mais perto que os visitantes podem chegar do aparelho. © Silvano Mendes / RFI

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