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Linha Direta

Espanha se mobiliza contra sentença branda para estupro coletivo

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A Espanha segue mobilizada contra a sentença judicial de um caso de estupro coletivo, ocorrido em 2016, na tradicional festa de San Fermín. O veredicto foi considerado brando demais para os cinco agressores. A sentença, divulgada na semana passada, fez surgir um movimento que já é comparado ao “Me Too”, a iniciativa norte-americana contra abusos sexuais que revolucionou a luta pelo direito das mulheres no mundo inteiro. Depois de um grande protesto no domingo (29) em Pamplona, cidade onde ocorreu o crime, há manifestações marcadas em Madri, Barcelona e Sevilha nesta semana.

Manifestantes reunidos do lado de fora do Supremo Tribunal de Navarra, com uma faixa que diz "Não é não! Justiça!", em Pamplona (Espanha).
Manifestantes reunidos do lado de fora do Supremo Tribunal de Navarra, com uma faixa que diz "Não é não! Justiça!", em Pamplona (Espanha). REUTERS/Vincent West
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Luísa Belchior, correspondente da RFI Brasil em Madri

Chamada de “Hermana, yo sí te creo”, (“irmã, eu acredito, sim, em você”, em português), a versão espanhola do movimento vem mostrando ser uma das mais potentes vozes do feminismo na Europa. Nas redes sociais, o hashtag “cuentalo“(ou seja, “conte”), incita as mulheres a revelar casos de assédio e violência sexual.

A revolta se iniciou com os desdobramentos de um caso ocorrido em julho de 2016, quando cinco jovens entre 24 e 27 anos, todos de Sevilha, estupraram uma garota de 18 anos durante a festa de San Fermín, tradicional celebração na qual touros são soltos em ruas da cidade de Pamplona, no País Basco, região do norte do país. San Fermín é a festa popular mais famosa da Espanha e, a cada ano, recebe quase dois milhões de pessoas – mas, nos últimos anos, houve muitas denúncias de abusos e agressões sexuais durante os festejos.

No crime em questão, um dos jovens abordou a vítima e a convenceu a se afastar da festa. Ele levou a jovem para a portaria de um prédio, onde o resto do grupo a imobilizou e a estuprou.

A jovem denunciou o crime no dia seguinte, incentivada por uma grande campanha que o governo local já promovia para que vítimas denunciassem qualquer caso do tipo, montando tendas de atendimento judicial, psicológico e de saúde por toda a cidade. A Justiça encontrou imagens das câmeras do prédio e dos celulares dos jovens, que filmaram e compartilharam o ato com amigos, e determinou a prisão preventiva dos suspeitos. O julgamento final, na semana passada, os declarou culpados, mas apenas pelo crime de abuso sexual, descartando o de agressão, que engloba o estupro na lei espanhola. A decisão revoltou uma parcela da sociedade espanhola, eclodindo no movimento.

Vítima não teria reagido, segundo os juízes

A sentença argumenta que não houve violência física, já que a vítima não apresentava nenhuma marca de agressão, e nem teria havido intimidação, outro dos requisitos para que se configure uma agressão sexual, e não apenas abuso. Porém muitos juristas e inclusive membros do governo reconheceram que o texto é contraditório, ao reconhecer também a existência do estupro, algo que os próprios agressores admitiram parcialmente.

Eles alegaram, no entanto, que tentaram forçar o ato sexual, mas que a jovem não ofereceu resistência. Os juízes aceitaram essa versão, já que as imagens mostram que, de fato, a vítima não reage fisicamente e permanece com os olhos fechados. Em seu depoimento, a menina alegou ter entrado em pânico por estar diante de cinco homens maiores e mais fortes que ela e que, por isso, ficou bloqueada – o que o atendimento psicológico confirmou horas depois.

Os cinco agressores foram condenados a nove anos de prisão por crimes de abuso sexual e obrigados a pagar, cada um, € 50 mil à vítima por danos morais. Mas os juízes recusaram o parecer da promotoria espanhola, que pedia 22 anos de cadeia a cada um por agressão sexual, e não apenas abusos.

A decisão gerou duras críticas por parte de todos os partidos políticos, inclusive o Partido Popular, do governo atual, da própria polícia espanhola, de juristas, da Igreja Católica e de grande parte da sociedade, que saiu em massa às ruas das principais cidades do país pedindo a revisão da sentença. O nome do movimento de protesto é uma alusão à postura dos juízes, que não deram crédito à versão das vítimas.

Revisão da lei à vista

A promotoria recorreu da decisão. A Justiça ainda não confirmou se vai revisar a sentença, mas o governo anunciou que estuda uma reforma em seu Código Penal para endurecer os crimes e delitos de caráter sexual. O próprio ministro da Justiça da Espanha, Rafael Catalá, reconheceu que a sentença indicou a necessidade dessa mudança.

Na última década, a Espanha vem adotando políticas pioneiras, como uma lei específica para tratar a violência de gênero, a primeira na Europa. Mas é nas ruas que esse movimento tem sido mais efervescente.

Há dois meses, no Dia Internacional da Mulher, o país realizou a primeira greve feminista da história recente de Europa e levou milhões de pessoas às ruas. Só em Madri, foram 500 mil pessoas, um número só comparável ao protesto contra a participação da Espanha na guerra do Iraque, em 2004, após os ataques do grupo terrorista Al Qaeda à rede de metrôs da capital espanhola.

Em Madri, cada vez mais inscrições do lema “Hermana, yo sí te creo” são vistas em muros de toda a cidade, dentro de lojas e em janelas de apartamentos. As manifestações pedindo a revisão da pena no caso da festa de San Fermín seguem acontecendo todos os dias. No domingo, 32 mil pessoas saíram às ruas em Pamplona, a cidade onde ocorreu o crime, e, nesta semana, há protestos marcados em Madri, Barcelona e Sevilha, a cidade de origem dos agressores.

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