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Carta do rei da Bélgica que reconhece "sofrimentos" da colonização marca os 60 anos da independência da RDC

O rei Philippe da Bélgica expressou nesta terça-feira (30), pela primeira vez na história do país, o seu "mais profundo pesar pelas feridas" abertas durante o período colonial. Em uma carta ao presidente da atual República Democrática do Congo, ex-colônia belga na África, o monarca afirma que seu país causou "sofrimentos e humilhações", "atos que ainda pesam sobre a memória coletiva". As declarações são feitas no dia do 60° aniversário da independência da República Democrática do Congo.

O rei dos belgas expressou nesta terça-feira "seu mais profundo pesar sobre o passado colonial da Bélgica no Congo.
O rei dos belgas expressou nesta terça-feira "seu mais profundo pesar sobre o passado colonial da Bélgica no Congo. AP - Benoit Doppagne
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No texto, o monarca evoca a época do rei Leopoldo II, mas sem citar o nome do soberano, cuja gestão do Congo Belga é considerada brutal. "Eu quero expressar meus mais profundo pesar por estas feridas do passado, cuja dor é revivida hoje pela discriminação ainda presente em nossas sociedades", afirma o rei belga na carta enviada ao presidente da RDC, Felix Tshisekedi.

"Na época do Estado Livre do Congo (a partir de 1885, quando o território africano era propriedade do ex-rei Leopoldo II) foram cometidos atos de violência e crueldade que ainda pesam sobre nossa memória coletiva", escreveu Philippe, que reina desde 2013. O soberano também reconhece que neste território, sob controle da Bélgica entre 1908 a 1960, aconteceram "sofrimentos e humilhações".

O Congo Belga conquistou a independência em 30 de junho de 1960 e passou a ser chamado República Democrática do Congo.

Em pleno movimento mundial contra o racismo, iniciado após a morte de George Floyd nos Estados Unidos, que na Bélgica provocou críticas ao passado colonial do país, o rei Philippe ressalta na carta seu compromisso de "combater todas as formas de racismo".

"Encorajo a reflexão iniciada por nosso Parlamento para que nossa memória seja definitivamente pacificada", afirmou, em referência a um acordo de princípio entre grupos políticos para criar uma comissão parlamentar sobre a memória colonial. Neste sentido, a primeira-ministra belga, Sophie Wilmès, afirmou que chegou o momento de que a Bélgica inicie o "caminho da investigação, da verdade, da memória" sobre seu passado colonial, "sem tabus".

Entre 2000 e 2001, outra comissão examinou o contexto do assassinato em janeiro de 1961 de Patrice Lumumba, efêmero primeiro-ministro da RDC, e apontou a "responsabilidade moral" de "alguns ministros e outras personalidades" belgas.

Imprensa aprova iniciativa

O jornal Le Soir elogiou o "gesto necessário, que engrandece o rei e o país", enquanto o jornal La Libre lamentou que o monarca não tenha apresentado um pedido de desculpas". "Talvez aconteça ao final do trabalho da comissão parlamentar", completou a publicação.

A morte do afro-americano George Floyd, asfixiado no fim de maio por um policial branco em Minneapolis (Estados Unidos), provocou a retomada do debate sobre a violência do período colonial no Congo e o papel muito polêmico do rei Leopoldo II. Muitas estátuas do soberano, erguidas entre 1865 e 1909, foram atacadas em Bruxelas e na Antuérpia, em sua maioria com tinta vermelha para simbolizar o sangue dos congoleses. Alguns municípios decidiram removê-las do espaço público.

Em uma campanha que registrou mais de 80.000 assinaturas, o coletivo de militantes anticolonialistas "Vamos reparar a História" pede a remoção das imagens deste rei, acusado pela "morte de mais de 10 milhões de congoleses".

Monarca sanguinário

Leopoldo II da Bélgica foi um dos reis mais sanguinários da história europeia, mas permanece ainda hoje um dos genocidas menos falados. Entre 1885 e 1908, ele fez do então Estado Livre do Congo sua propriedade particular. Para explorar borracha e marfim, escravizou os congoleses e deixou um legado de miséria no país. O monarca cruel instituiu punições severas para quem não coletasse borracha suficiente, entre elas, decepou mãos e braços de milhares de pessoas.

Para manter seu reinado, mandou torturar, mutilar e matou, segundo acadêmicos, entre 8 e 10 milhões de congoleses, sem nunca ter colocado o pé na colônia africana. Durante os 23 anos de terror, ele acumulou riquezas e realizou projetos faraônicos em Bruxelas. Em 1908, após pressão internacional, o Parlamento belga retirou de Leopoldo II o controle do Congo.

Protestos

Nos últimos anos, grupos têm realizado diversas ações contra o uso da imagem de Leopoldo II. Uma das mãos de uma estátua em homenagem ao soberano em Ostende foi cortada, em protesto contra sua política colonial e às mutilações praticadas. Em Bruxelas, em frente ao Palácio Real, o monumento do rei montado em um cavalo foi pintado de vermelho em três ocasiões. Ainda na capital, o busto do segundo rei da Bélgica foi removido de um parque.

Em Flandres, nas cidades de Gand, Ostende e Hal, há placas explicativas ao lado das estátuas informando que "o comércio de borracha e marfim, que estava em grande parte nas mãos do rei, custou a vida do povo congolês" e ainda que "o poder de Leopoldo II e as ações dos colonos belgas sob seu regime no Congo foram brutais com a população local e sua exploração desumana".

Segundo a maioria dos historiadores, a violência não parou após a cessão do Congo ao Estado belga em 1908 e, durante décadas, foi mantido um sistema de separação entre negros e brancos, semelhante ao Apartheid na África do Sul.

Com informações de agências e da correspondente em Bruxelas, Letícia Fonseca Sourander

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