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Filme brasileiro sobre expedição de Bruno Pereira na Amazônia é destaque em dois festivais na França

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O diretor de cinema brasileiro Bruno Jorge tem bons motivos para comemorar. Seu filme mais recente, “A invenção do Outro”, foi escolhido para a sessão de abertura da 19ª edição do Festival Brasil em Movimentos, que começa nesta quinta-feira (28) em Paris e também está concorrendo ao prêmio de melhor documentário no Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz, onde conversou com a RFI Brasil. 

O documentário “A invenção do Outro”, de Bruno Jorge, relata uma expedição em busca de um grupo da etnia Korubos, indígenas isolados e vulneráveis, em seu primeiro contato com homem branco.
O documentário “A invenção do Outro”, de Bruno Jorge, relata uma expedição em busca de um grupo da etnia Korubos, indígenas isolados e vulneráveis, em seu primeiro contato com homem branco. © divulgação
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Maria Paula Carvalho, enviada especial da RFI a Biarritz 

Bruno Jorge está na Europa para apresentar em diversos festivais internacionais o longa-metragem de 144 minutos, filmado na floresta Amazônica. Entre eles, o Brésil en Mouvements, ou Brasil em Movimentos, criado em 2005 pela Associação Autres Brésils, e que é um dos principais no continente dedicado exclusivamente a documentários. Nesta quarta-feira (27), o diretor apresentou o filme ao público em Biarritz, onde o Festival de Cinema América Latina vai até a sexta-feira (29). 

“É um prazer enorme, porque parte da minha formação foi feita na França, em Paris. Então, sempre quando eu apresento um filme aqui, é algo muito especial”, comemora o diretor. “Biarritz é a porta de entrada do cinema latino-americano na Europa. Eu acho que o filme tem um diálogo muito forte com o contemporâneo e tem uma certa intemporalidade que acho importante discutir”, explica em entrevista no antigo Cassino deste charmoso balneário, no sudoeste da França, que serve como uma ponte entre a cultura latino-americana e a europeia. 

Depois de uma formação em comunicação, Bruno Jorge estudou cinema documental na ESEC em Paris. Ele tem mestrado em Artes do Espetáculo pela Universidade de Liège, na Bélgica, e estudou também em Toronto, no Canadá, e na EICTV em Havana, Cuba. Influenciado pela etnografia e antropologia visual e o cinema experimental, é autor de mais de 20 filmes.   

O documentário “A Invenção do Outro” acompanhou, em 2019, uma arriscada expedição da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) em busca de um grupo da etnia Korubos, indígenas isolados e vulneráveis, em seu primeiro contato com homem branco. “O encontro está no filme. Ele é complexo, sofisticado e cheio de arestas”, relata. “Para mim, foi uma espécie de ponto de inflexão existencial, um aprendizado. E de uma certa forma, eu não voltei ainda daquela viagem”, diz o cineasta que já tinha tido experiências com indígenas anteriormente, mas entre aqueles já adaptados e aculturados. “Foi a primeira vez, de fato, que acompanhei o que a gente chama de primeiro contato. Existe inclusive uma cinematografia brasileira sobre esse tema que estudei antes da missão”, acrescenta.  

O objetivo da expedição formada por cerca de trinta pessoas era estabelecer contato com familiares do mesmo grupo de indígenas e que haviam se perdido. A missão envolvia verificar a sua saúde e ajudá-los a promover o primeiro contato com não-nativos. O filme oferece sequências de pura emoção, quando os Korubos encontram seus irmãos, dos quais estavam separados havia muito tempo. Estas cenas de reencontro, impregnadas de infinita ternura, são de rara intensidade. 

“Era uma expedição humanitária. A política da Funai é de não contato com os isolados. Porém, foi aberta uma exceção para que pudesse ser estabelecido esse contato. A princípio, para fazer esse reencontro de parentes que se separaram três, quatro anos antes, por conta de uma guerra étnica histórica com outra etnia. E eles não sabiam que esses parentes estavam vivos”, conta Bruno Jorge. “Essa guerra histórica promovia uma espécie de dizimação daquele grupo, porque os Matis, esse grupo que estava em conflito com eles, já estavam frequentando a cidade, voltando para a floresta com armas, com vírus, e uma parte deles já estava morrendo. Então, o terceiro fator foi uma questão medicinal mesmo, justamente de vacinação de todos para diminuir essas fatalidades”, explica. 

A expedição, com duração de 32 dias, aconteceu no Vale do Javari, na tríplice fronteira entre o Brasil, a Colômbia e o Peru, partindo de Tabatinga, no lado brasileiro, onde fica a sede da Funai. “Depois de sete dias de barco, a gente montou um grande acampamento e dali nós passamos a fazer incursões na floresta para tentar encontrá-los, onde não havia mais rios”, explica. “Foram uns 20 dias até que a gente encontrasse os dois primeiros indivíduos, um pouco por acidente, com monitoração tanto dos indígenas que nos acompanhavam, quanto do pessoal da Funai”, relata. “Foi um momento muito tenso, muito ambíguo, muito complexo. A gente pediu para que eles retornassem no dia seguinte, trazendo toda a tribo. E aí acontece o segundo grande reencontro do filme”, afirma o diretor. 

O diretor Bruno Jorge apresenta o filme documentário “A invenção do Outro”, no Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz. Em 27 de setembro de 2023.
O diretor Bruno Jorge apresenta o filme documentário “A invenção do Outro”, no Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz. Em 27 de setembro de 2023. © Maria Paula Carvalho/ RFI

Assassinato de indigenista

A expedição era dirigida por Bruno Pereira, indigenista que seria posteriormente assassinado na mesma região, em 5 de julho de 2022, e se tornaria um símbolo da luta pela preservação dos povos indígenas. “Quando aconteceu essa fatalidade com o Bruno, o filme já estava pronto e ele já tinha assistido. O filme já tinha ido para finalização, mas depois que aconteceu tudo, eu retomei, não só por causa dessa camada muito forte de atualidade, mas também de um luto humano. No meu caso, eu perdi um amigo, eu também era próximo do Dom [Phillips, jornalista britânico assassinado]. Então, eu precisei dar conta no filme desses lutos e inseri algumas imagens depois e na cartela final, dedicamos o filme a eles”.  

Bruno Jorge diz que não tem expectativas quanto à premiação em Biarritz. “É sempre divertido, mas eu acho que não vai muito além disso. Só de estar aqui, eu já estou muito feliz, de poder compartilhar com essas pessoas uma experiência que para mim foi muito forte”, afirma.  

O diretor ainda vai participar de outros sete festivais de cinema na Europa, antes que o filme possa entrar no circuito comercial de exibição, a partir do segundo semestre de 2024.  

Proteção dos povos indígenas

Recentemente, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) declararam inconstitucional a tese do marco temporal no Brasil, que reconhecia a demarcação apenas das terras ocupadas por indígenas à época da Constituição de 1988. Uma decisão acompanhada no mundo todo e considerada um marco para a proteção dos povos originários.

“Como artista, eu acho que colaboro de uma certa forma, trazendo a experiência do confronto com essa realidade. Mas medidas políticas e burocráticas fogem um pouco da minha alçada. Porém, como artista, eu tenho certeza de que essa experiência, que é inédita e eu sei o tamanho dela, possa colaborar, trazendo informações para que as decisões sejam melhor tomadas na política”, conclui o cineasta.  

Para assistir à entrevista completa, clique na foto principal.

Cartaz do filme “A Invenção do Outro”, que concorre ao prêmio de melhor documentário no Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz.
Cartaz do filme “A Invenção do Outro”, que concorre ao prêmio de melhor documentário no Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz. © divulgação

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