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França/ debate

Polêmica do burquíni divide esquerda, feministas e juristas

A polêmica do verão na França começou aos poucos e se transformou em um profundo debate no país, em que a esquerda, as feministas, os juristas e os defensores dos direitos humanos não necessariamente estão do mesmo lado. A proibição do burquíni em seis praias francesas se estende a um questionamento sobre o lugar dos muçulmanos na sociedade francesa e a estigmatização da comunidade islâmica, ao mesmo tempo em que chama a atenção para a opressão de muitas mulheres que seguem o islã.

Mulher usa burquíni em praia da Tunísia, onde os trajes são bem mais comuns do que na França.
Mulher usa burquíni em praia da Tunísia, onde os trajes são bem mais comuns do que na França. AFP/ FETHI BELAID
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Nos últimos dias, a discussão do tema se tornou obrigatória na imprensa, alimentada pela tomada de posição dos políticos sobre a delicada questão, em plenas férias de verão. Para alguns, o burquíni representa a submissão das mulheres ao machismo imposto pelas vertentes mais rígidas do islamismo. Outros ressaltam que proibí-lo apenas aumenta o problema da exclusão social e do preconceito em relação aos muçulmanos, no país que abriga a maior comunidade islâmica da Europa. Há ainda quem argumente que, se não fosse o burquíni, muitas muçulmanas simplesmente não frequentariam a praia, o que aumenta ainda mais a opressão delas.

Para outros, é a laicidade da República francesa que está em jogo. E uma quinta vertente – mas, sem dúvida, não a última - sustenta que o diferencial de um país democrático e desenvolvido como a França é assegurar o direito de cada um se vestir como bem entender – inclusive o direito de ser oprimida pela religião.

As nuances são tantas que, embaraçado, o governo socialista francês tenta agradar a todos os lados. O primeiro-ministro Manuel Valls afirmou que, por enquanto, está fora de questão adotar uma lei sobre o assunto, mas disse “compreender” os prefeitos que proibiram o traje de banho islâmico.

Já a ministra francesa dos Direitos das Mulheres, Laurence Rossignol, também não se opôs à medida, mas destacou que “o que está em questão é a emancipação das mulheres”, e não a ameaça de atentados terroristas, como alega a direita. Todas as cidades que proibiram o burquíni são governadas por conservadores do partido Os Republicanos, que, nas suas decisões, evocam o respeito à laicidade e o contexto de risco de atentados na França.

Especialistas divergem

Em entrevista à RFI, Linda Weil-Curteil, da Liga do Direito Internacional das Mulheres, acha que a opressão das mulheres se sobrepõe aos preconceitos em relação aos muçulmanos. “É como se elas dissessem ‘eu sou francesa, mas sou diferente de vocês e sou melhor do que vocês, porque sou digna com essa roupa’. Acho esse, como qualquer outro sinal ostensivo religioso, um tipo de diferenciação muito agressivo”, afirma a líder feminista. Francesa, ela também pontua a importância da laicidade no país. “Nós não queremos ser obrigados a saber qual é a religião dos outros.”

Já o respeitado jurista tunisiano Michel Tubiana, ex-presidente da Liga dos Direitos Humanos, considera a discussão sobre como se pode ou não vestir na praia um debate “grotesco”. “Até que se prove o contrário, existe liberdade de opinião e de crença na França. Mesmo que o burquíni fosse considerado um sinal ostensivo religioso, que problema haveria? A laicidade é reservada para as instituições do Estado, não aos cidadãos”, explicou o advogado, à RFI. “Nós não somos cidadãos neutros. Hoje, os muçulmanos se sentem visados por todos os lados, inclusive as mulheres que não usam véu. Isso vai reforçar um sentimento de exclusão, com todas as suas consequências.”

Lei sobre o véu permite o burquíni

Em um artigo no jornal Le Monde, o professor de Direito Thomas Hochmann evoca a legislação francesa para se opôr às proibições do burquíni. Ele lembra que a lei sobre o véu integral, adotada em 2010, permite que as muçulmanas cubram todo o corpo, à exceção do rosto - exatamente como o traje de banho alvo da polêmica. “Diante da lei, os argumentos relativos à segurança e à sujeição da mulher perdem a pertinência quando o rosto não está dissimulado”, ressalta o especialista.

Este é um dos argumentos das entidades representativas dos muçulmanos. “Estamos surpresos porque conhecemos muito bem a lei, que proíbe cobrir o rosto, e essas medidas estão simplesmente fora da lei. O burquíni não cobre o rosto”, disse M'hammed Henniche, secretário-geral da União das Associações Muçulmanas da França, à RFI. “Elas só querem tomar banho de mar como qualquer francesa e negar-lhes esse direito é mais uma forma de estigmatizar a mulher muçulmana.”

Jean Baubérot, sociólogo especialista em laicidade, também acha a medida exagerada – e considera que as proibições apenas acentuam as tensões, em vez de diminui-las. O número de mulheres que usam os trajes é insignificante nas praias francesas – e, na opinião de Baubérot, é insuficiente para causar tanta polêmica.

“Concordo que as muçulmanas tenham uma reflexão a fazer sobre a relação entre os homens e as mulheres. Também concordo que precisamos de um feminismo muçulmano. Mas deixemos elas debater isso entre elas, evoluírem no ritmo delas”, justifica. “É dentro das comunidades religiosas que deve ser decidida a maneira como as pessoas devem se vestir.”
 

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