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Holanda: desistência de Wilders mostra que extrema direita europeia tem dificuldades de chegar ao poder

Quase quatro meses após a vitória eleitoral arrebatadora da extrema-direita na Holanda, seu líder, Geert Wilders, anunciou na quarta-feira (13) que desistia – por enquanto – de sua tentativa de liderar o país, devido à falta de apoio dos partidos políticos com os quais tentou formar uma coligação. A dificuldade de Wilders para formar um governo mostra que, apesar de crescer nas eleições, a extrema direita europeia ainda tem dificuldades de chegar ao poder.  

Geert Wilders, chefe do partido de extrema direita holandês PVV, em 22 de novembro de 2023.
Geert Wilders, chefe do partido de extrema direita holandês PVV, em 22 de novembro de 2023. © Mike Corder / AP
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Um resultado "injusto" e "antidemocrático", disse Wilders à mídia holandesa na quinta-feira (14). Mas para ser primeiro-ministro “é preciso o apoio de todos os partidos”, repetiu, feito que não conseguiu.

O político, conhecido por sua islamofobia, tinha manifestado regularmente seu desejo de liderar o governo, mas seu “amor pelo país e pelos eleitores é grande e mais importante do que sua própria posição”, explicou. Ele enfatizou que queria "um governo de direita. Com menos asilo e imigração. Os holandeses primeiro".

Kim Putters, encarregado de supervisionar as tortuosas negociações de coalizão entre quatro partidos de direita, apresenta recomendações em um relatório altamente aguardado na quinta-feira.

Segundo a mídia holandesa, os líderes partidários concordaram em renunciar a cargos governamentais em favor de uma coalizão “extraparlamentar” ou de tecnocratas, composta por especialistas de fora da política ou vagamente ligados aos partidos.

A emissora pública NOS explicou que o acordo de coligação, normalmente denso, seria mais curto e menos concreto - com a ideia de que o Parlamento teria mais voz sobre as políticas.

O último governo de “especialistas” na Holanda data de 1918, mas o conceito de governo de tecnocratas é familiar a outros países europeus, sobretudo para a Itália.

Desde a década de 1990, se tornou comum recorrer a indivíduos não eleitos em tempos de crise política. Em 2021, o ex-presidente do Banco Central Europeu Mario Draghi tornou-se primeiro-ministro.

A forma exata do próximo governo holandês continua por determinar, mas espera-se que Wilders proponha um primeiro-ministro para substituir Mark Rutte.   

O próximo passo serão provavelmente novas negociações entre as quatro siglas: o Partido da Liberdade (PVV) de Wilders, o partido agrícola BBB, os liberais de centro-direita VVD e o NSC anti-corrupção.

As conversações entre os quatro partidos têm sido frequentemente acaloradas, com farpas nas redes sociais e grandes preocupações sobre algumas das posições políticas islamofóbicas e anti-Europa do PVV.

As sondagens mostram que o apoio a Wilders e ao seu partido PVV só cresceu desde a sua vitória eleitoral. "Não se esqueçam: um dia serei primeiro-ministro da Holanda. Com o apoio de ainda mais holandeses", insistiu. "Se não for amanhã, então depois de amanhã. Porque as vozes de milhões de holandeses serão ouvidas!", acrescentou no X.

Obstáculos para a extrema direita persistem

Apesar do aumento constante dos resultados eleitorais em muitos países da UE, os partidos europeus de extrema direita continuam enfrentando obstáculos persistentes para chegar ao poder, salientam os especialistas.

No passado, as forças políticas tradicionais conseguiram conter a extrema direita insistindo sobre o perigo que representava para a democracia. Seus resultados eleitorais também permaneceram marginais, não ultrapassando a marca dos 15%, observa Gilles Ivaldi, pesquisador da Sciences Po, em Paris.

Mas hoje, “estes partidos estão bastante em processo de desdemonização, podemos ver que insistir sobre o perigo da extrema direita funciona menos do que antes”, diz. Vários partidos tradicionais acabaram adotando o mesmo discurso anti-imigração, comenta o especialista. “É mais difícil manter um cordão de isolamento” em torno de partidos considerados por muitos “um pouco como os outros”, sublinha.

O peso eleitoral da extrema direita continuou a crescer nas últimas décadas. A atuação do partido italiano Fratelli d'Italia (Irmãos da Itália) levou ao poder sua líder Giorgia Meloni. Em novembro, o islamofóbico Geert Wilders surpreendeu a Holanda com uma vitória esmagadora nas eleições legislativas.

Certas regiões da Espanha e da Alemanha parecem ingovernáveis, ​​ou perto de se tornarem ingovernáveis, ​​sem convidar os partidos de extrema direita Vox ou AfD para alianças, enquanto em Portugal, a formação antissistema Chega, acaba de duplicar a sua pontuação nas eleições legislativas do passado domingo, com 18% dos votos.

Estes sucessos podem ser atribuídos à “acumulação de sucessivas crises” na Europa, que “geraram camadas de ressentimento” contra os governos europeus desde as últimas eleições parlamentares europeias em 2019, sublinha Gilles Ivaldi.

Tabus políticos persistentes   

Mas o progresso dos partidos radicais é, muitas vezes, dificultado por tabus políticos persistentes. O caso de Geert Wilders é um exemplo. 

“Wilders forjou uma identidade de oponente de qualquer compromisso moderado”, comenta Ignacio Molina, analista do Instituto Real de Elcano, na Espanha. Chegar a acordos com os seus adversários políticos é “difícil para ele, assim como é difícil para outros deputados tratá-lo como um interlocutor aceitável”.

Os ganhos eleitorais da extrema direita que se esperam nas eleições europeias de junho poderão, no entanto, levar os partidos de centro-direita a formar alianças em Bruxelas.

A médio prazo, a ascensão da extrema direita poderá alterar o equilíbrio de poder no Conselho Europeu, que define as orientações políticas gerais e as prioridades da UE.

Se mais líderes populistas conseguirem chegar ao poder no bloco, além da italiana Meloni e do húngaro Viktor Orban, “veríamos fortes bloqueios em questões essenciais como clima, imigração ou apoio à Ucrânia”, prevê Gilles Ivaldi.

(Com AFP)   

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