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Principal opositora de presidente de Ruanda é vetada da eleição presidencial

A Suprema Corte ruandesa negou à principal voz opositora em Ruanda o direito de concorrer a eleição presidencial marcada para julho no país. Victoire Ingabire, presa em 2010 quando se lançou candidata, havia pedido a restituição de direitos civis perdidos quando foi solta antes do cumprimento total da pena, em 2018. Além de enfrentar nas urnas o atual presidente, Paul Kagame, ela queria poder sair do país e visitar a família que vive na Holanda. O marido, quem ela viu pela última vez em 2010, está muito doente. 

A opositora ruandesa Victoire Ingabire.
A opositora ruandesa Victoire Ingabire. © RFI/Pierre Firtion
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Vinícius Assis, especial para a RFI 

Victoire Ingabire é considerada uma das principais - se não a principal - críticas em Kigali do regime do ditador Paul Kagame, no cargo desde 2000. Os outros que se atrevem a fazer o mesmo não vivem em Ruanda. Depois da decisão da Justiça anunciada nesta quarta-feira (13), ela se disse profundamente decepcionada.

“A recusa da minha reabilitação não é apenas um revés pessoal, mas é emblemática das questões mais amplas que a nossa nação enfrenta, questões que as organizações de direitos humanos e os parceiros de desenvolvimento da Ruanda há muito criticam”, escreveu em um comunicado divulgado pouco depois da decisão judicial. 

No documento, ela ainda levanta preocupação sobre a independência do Poder Judiciário, a restrição dos direitos políticos e a supressão de vozes alternativas no país marcado pelo genocídio que, em 1994, matou cerca de um milhão de ruandeses da etnia tutsi, além de alguns moderados do grupo étnico hutu.

O atual presidente tem influência na política do país desde aquela época. Como em 2024 o genocídio completa 30 anos, a eleição em julho será ainda mais emblemática. Muitos ruandeses estão céticos sobre uma eventual mudança. A eleição no país é sempre marcada por suspeitas de fraudes e campanhas difamatórias contra opositores. Mas havia, em parte da população, um fio de esperança de mudança, principalmente pela possível participação de Victoire Ingabire na eleição. 

“A pretensão do país de ser uma democracia multipartidária parece cada vez mais frágil”, publicou no X (antigo Twitter) a escritora britânica Michela Wrong, autora do livro Do Not Disturb, focado na morte, em 2014, do desertor ruandês Patrick Karegeya, pelo qual o governo ruandês negou responsabilidade.

Crime de "negação do genocídio"

Victoire é da etnia hutu, mas havia saído do país antes do genocídio acontecer. Ela voltou exatamente para desafiar Kagame concorrendo à presidência. Na campanha eleitoral de 2010 ela foi acusada de ter minimizado o massacre de 30 anos atrás porque, durante uma entrevista no memorial dedicado ao genocídio em Kigali, ela disse ter sentido falta de referência aos hutus que se recusaram a matar os tutsis na época em que o derramamento de sangue em praticamente todos os cantos do país ocorreu.

O crime de “negação do genocídio” tem sido usado nos últimos anos por Kagame para prender opositores e defensores dos direitos humanos no país. Por isso, muitos ruandeses evitam até de falar sobre o assunto, principalmente com estrangeiros que visitam o país. 

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Em 2013, a pena de Victoire foi aumentada de 8 para 15 anos. Ela conseguiu sair da prisão em 2018 por uma “bondade presidencial”, mas sob duas condições: pedir autorização ao Ministério da Justiça sempre que quiser sair de Ruanda e também se apresentar ao Ministério Público uma vez por mês. As condições ficam em vigor até o ano que vem, quando oficialmente termina a pena recebida por ela.

Victoire afirma que pediu ao Ministério da Justiça ao menos duas vezes para deixar o país, mas não obteve resposta. Chegou a fazer um apelo ao presidente Paul Kagame para que reconsiderasse essas duas condições, por questão humanitária, devido ao estado de saúde do marido, mas foi ignorada. 

A opositora Victoire Ingaribe, em sua casa em Kigali, em junho de 2022. Na parede uma imagem de um ex-assessor, encontrado morto.
A opositora Victoire Ingaribe, em sua casa em Kigali, em junho de 2022. Na parede uma imagem de um ex-assessor, encontrado morto. © RFI/ Vinícius Assis

A casa em que ela vive em Kigali é monitorada por espiões do governo 24 h por dia. A reportagem esteve lá, em 2022, e foi fotografada ao sair do imóvel, além de ter sido seguida por informantes do regime de Kagame que no dia a dia se infiltram entre os moto-táxis que lotam as ruas da capital. Este é o meio de transporte mais popular de Kigali. 

Um embaixador estrangeiro no país contou à RFI, sob condição de anonimato, que em um recente evento, embaixadores europeus comentavam de forma muito crítica sobre o atual cenário político ruandês.

“Colegas diplomatas comentaram que imaginam que as pressões sobre Kagame irão crescer. Sobretudo pela crise sem fim na República Democrática do Congo e seu papel no apoio ao M23 (grupo armado que aterroriza o leste da RDC e, supostamente, é financiado por Kagame). Eu já acho que ele continuará a usar o ‘genocide card’, de forma habilidosa, constrangendo o Ocidente”, disse. 

Apesar da decisão desta quarta, Victoire Ingabire disse que sua determinação permanece inabalável. “Estou empenhada em continuar a luta pelo estabelecimento de uma democracia genuína em Ruanda, defendendo o respeito pelos direitos humanos e pelo Estado de direito. O caminho para a mudança está muitas vezes repleto de obstáculos, mas é através da perseverança e do esforço coletivo que podemos aspirar a uma sociedade mais justa e democrática”, afirmou. 

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