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'Uma guerra homofóbica': entenda porque 31 países africanos criminalizaram comunidade LGBTQIA+

Gana, que acaba de aprovar um projeto de lei repressivo contra a homossexualidade, junta-se às fileiras de países africanos determinados a fortalecer seu arsenal legal contra pessoas LGBTQIA+. No continente, 31 países criminalizam as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo.

Manifestação convocada por associações religiosas contra a homossexualidade em 23 de maio de 2021 (Foto ilustrativa). O cartaz diz: "Meu filho não será homossexual".
Manifestação convocada por associações religiosas contra a homossexualidade em 23 de maio de 2021 (Foto ilustrativa). O cartaz diz: "Meu filho não será homossexual". © SEYLLOU/AFP
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Caroline Renaux, da RFI

Na quarta-feira (28), o parlamento de Gana aprovou um projeto de lei que endurece a repressão à homossexualidade. O projeto de lei, que tem como objetivo promover "direitos sexuais e valores familiares adequados", agora expõe qualquer pessoa reconhecida como pertencente à comunidade LGBTQIA+ (ou seja, lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexuais e assexuados) a uma pena de até três anos de prisão. No caso de "promoção" ou "apoio", a pena sobe para cinco anos de prisão, ou até dez anos no caso de "campanhas LGBTQIA+ voltadas para crianças".

Embora as relações homossexuais já fossem proibidas pela legislação herdada da era colonial, nenhum ganense jamais havia sido condenado por esse motivo. A lei, que ainda precisa ser aprovada pelo presidente Nana Akufo-Addo, é uma das mais homofóbicas do continente. Mas está longe de ser a única: dos 61 países do mundo que criminalizam as relações homossexuais, metade está na África.

Pior ainda, nos últimos anos houve um aumento nas leis que discriminam as pessoas LGBTQIA+ no continente africano. "Estamos vendo uma tendência de leis mais rígidas", lamenta Samira Daoud, Diretora Regional da Anistia Internacional para a África Ocidental e Central.

Aumento das leis anti-LGBTQIA+

Em maio de 2023, Uganda adotou uma lei anti-LGBTQIA+ draconiana, que prevê prisão perpétua para atos homossexuais e até mesmo a pena de morte para reincidentes. Vários países estão tentando seguir o exemplo, incluindo o Quênia, que está trabalhando em um projeto de lei semelhante, e a Tanzânia, onde alguns deputados estão pedindo a pena de morte para homossexuais, que já enfrentam uma sentença incondicional de 20 anos.

"Também vimos isso no Senegal [em 2022], com uma tentativa de aprovar uma lei ainda mais repressiva contra pessoas LGBT+. Essa lei, que é semelhante à que acaba de ser adotada em Gana, é ainda mais preocupante porque pode servir de modelo para a região da África Ocidental", ressalta Samira Daoud, baseada em Dakar.

Na África, esses países não são exceção: a Anistia Internacional denunciou uma "guerra legal homofóbica". Embora alguns países tenham recentemente descriminalizado a homossexualidade, como Botsuana (2021), Gabão (2020) e Angola (2019), um total de 31 dos 54 países punem a homossexualidade, quatro deles com pena de morte. No continente, apenas a África do Sul, pioneira nesse campo, autorizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo desde 2006.

Crescente sentimento homofóbico

Esse arsenal legal é acompanhado por repetidas campanhas de ódio e retórica homofóbica. No Burundi, por exemplo, em dezembro de 2023, o presidente Evariste Ndayishimiye pediu o "apedrejamento" de casais gays que, em sua opinião, haviam "escolhido o demônio" e atrairiam uma "maldição" nacional com o casamento para todos, uma "prática abominável".

"Pessoalmente, acho que se virmos esse tipo de gente no Burundi, deveríamos colocá-los em um estádio e apedrejá-los até a morte. E não seria um pecado para aqueles que o fazem", declarou o chefe de estado desse país predominantemente católico, que já havia pedido que os homossexuais fossem "banidos" e "tratados como párias".

A violência, tanto verbal quanto física, contra pessoas LGBTQIA+ no continente tem sido amplamente documentada. Em Camarões, pessoas suspeitas de homossexualidade são arbitrariamente presas, espancadas ou ameaçadas, de acordo com a Human Rights Watch. No Senegal, o corpo de um homem supostamente gay foi exumado e queimado em outubro passado. Por fim, de acordo com um relatório da ONU de 2020, alguns são até vítimas de estupro "corretivo", violência sexual cometida para supostos fins de "conversão", principalmente na Nigéria, no Quênia e na África do Sul.

Vítimas de chantagem e extorsão, perseguidos e às vezes até assassinados, os homossexuais ugandenses estão passando por um verdadeiro calvário desde que a lei foi aprovada. "Todos os dias, alguém é atacado, alguém é maltratado, alguém é expulso de casa ou perde o emprego, simplesmente por ser quem é, e uma organização que o apoiava fecha as portas porque não pode continuar a sobreviver", diz Isaac Mugisha, ativista LGBTQIA+ e chefe de segurança do Uganda Key Populations Consortium. "As pessoas estão tentando ao máximo fugir do país porque a lei é dura e as pessoas que são conhecidas como gays, e cujas áreas de residência são conhecidas como alvo, têm que se esconder."

Para Isaac Mugisha, não se trata de "voltar para o armário" ou fugir para o Quênia, África do Sul ou Zimbábue, como faz a maioria dos homossexuais ugandenses. Não quero desistir, quero lutar", insiste ele. "Mas escolher ficar é como dizer 'vou morrer logo'". 

Aumento da popularidade a baixo custo

Para o presidente do Parlamento de Uganda, trata-se, acima de tudo, de uma questão de "proteger" a cultura do país. "O Ocidente não virá para governar Uganda", declarou ela diante de uma enxurrada de críticas internacionais, principalmente dos Estados Unidos, que prometeram imediatamente sanções econômicas.

Essa é a motivação de vários países africanos, que estão adotando uma série de leis anti-LGBTQIA+ baseadas na ideia de que a homossexualidade é importada do Ocidente. "É um caso de superioridade para se posicionar como um país que enfrenta o Ocidente", diz Larissa Kojoué, pesquisadora de questões de direitos da comunidade gay na África para a Human Rights Watch.

No entanto, a maioria dessas leis tem suas origens na era colonial, especialmente as disposições britânicas contra a sodomia. Elas foram transcritas quando muitas ex-colônias se tornaram independentes e estabeleceram suas próprias leis, em grande parte inspiradas nas do Reino Unido, que só descriminalizou os atos homossexuais em 1967. "É um grande paradoxo: as leis que os líderes estão invocando vêm da era colonial, mas eles as estão endurecendo para se diferenciar do Ocidente", aponta a especialista Larissa Kojoué.

"Opor-se às comunidades LGBT é uma forma de ser reeleito"

Essas declarações são uma forma de conquistar uma opinião pública que está fortemente dividida. "É uma forma de conquistar o amor das massas. Quando você aborda a questão LGBT, não há mais polarização e você tira a responsabilidade dos problemas econômicos, do acesso à água, à saúde, etc.", diz Kojoué.

"Tudo o que você precisa fazer é discriminar mais os homossexuais e você será visto como um grande político que preservou os chamados valores africanos", confirma Samira Daoud. Antes das eleições legislativas de 2022, Ousmane Sonko, um dos líderes da oposição senegalesa, prometeu endurecer a lei contra a homossexualidade se ele se tornasse presidente, enquanto Mahamadou Kassogué, ministro da Justiça do Mali, indicou que quer puni-la.

"Opor-se às comunidades LGBT é uma forma de ser reeleito. Infelizmente, não acho que isso vá parar em Uganda, Gana, Quênia ou qualquer outro país. É uma onda que provavelmente varrerá a maioria dos países conservadores da África", alerta Mugiha.

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